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Opinião

Compartilhamento de postes: o conflito entre legislação e realidade

As concessionárias de energia têm até 90 dias para analisar projetos para a instalação de redes enviados por ISPs que pretendem ocupar seus postes. Quando não os aprovam, devem basear suas decisões exclusivamente em limitação na capacidade, segurança, estabilidade, confiabilidade, violação de requisitos de engenharia ou de cláusulas e condições emanadas do Poder Concedente (o Estado). As determinações constam na Resolução Conjunta (Aneel, Anatel e ANP) Número 1, de 1999, nos parágrafos 1º e 3º de seu artigo 11º. Na prática, porém, esse tipo de avaliação estaria levando até cinco anos.

É o que alega o Sindicato das Empresas de Internet da Bahia, que acusa a concessionária de seu estado, a Neoenergia Coelba, da prática dessa e de outras supostas arbitrariedades contra provedores de Internet. Por exemplo, cobraria R$ 14 por ponto de instalação de redes de telecomunicações em postes, sendo que o valor de referência estabelecido pela Resolução Número 4, de 2014, é de R$ 3,19.

Nota-se pela data de publicação da norma a inexistência de correção monetária ao longo de quase dez anos. Ainda assim, a cifra está bem distante dos “preços e condições justos e razoáveis” previstos pela Lei 9.472/1997, em seu artigo 73, para o compartilhamento de infraestrutura, mas não tanto quanto os R$ 75,38 que a Enel pretendia impor aos PPPs no Ceará no em 2022, conforme provedores de Internet do estado.

Situações desse tipo ocorrem em todo o país e já foram apresentadas por representantes da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint) ao Ministro das Comunicações, Juscelino Filho. Segundo a entidade, os impedimentos impostos pelas concessionárias para o uso de postes são hoje o maior obstáculo para o crescimento das redes de telecomunicações. A Abrint também aponta como recorrente a falta de isonomia nos valores cobrados de ISPs e grandes operadoras.

Conforme entidades ligadas aos provedores, a situação resultaria da condição de monopólio – de fato, as elétricas não estão expostas a concorrência. Mas é evidente a influência de outros fatores, como o porte das empresas – muito superior ao dos ISPs – e o conhecimento que há sobre concessionárias de energia. Apesar de mudanças de marcas, propriedade e gestão, essas distribuidoras, assim como as grandes teles, antecedem as privatizações realizadas no primeiro mandado de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República (1995 a 1998).


Também por serem poucas, são reconhecidas pelo cidadão comum. Já os ISPs – que, segundo a Abrint, formam um contingente de 20 mil empresas –, além de significativamente menores, são desconhecidos pela maior parte das pessoas – mesmo entre especialistas, poucos lembrariam de nomes que não os dos seis listados na bolsa.

Dessa forma, mesmo que ocorram em vários estados e afetem empresas que, em conjunto, respondem por mais 40% da oferta de banda larga do país, denúncias nesse sentido têm pouca repercussão, o que dá margem para abusos e manifestações contra os provedores. Isso se reflete, por exemplo, em CPIs, como as instaladas nas câmaras municipais de João Pessoa (PB) e Niterói (RJ), para a apuração de responsabilidades quanto aos emaranhados de fios em postes de suas cidades, os quais podem gerar consequências que vão muito além da poluição visual, como a interrupção do fornecimento de serviços essenciais – energia elétrica e acesso à Internet – e até incêndios.

Sempre, o noticiário sobre essas comissões traz apenas manifestações das elétricas, que justificam a existências de nós de cabeamento atribuindo-os aos ISPs – que nunca são ouvidos nessas reportagens, talvez, nem mesmo pelas comissões. Ocorre que, conforme o parágrafo 1º do art 6º da Resolução Normativa ANEEL Nº 1.044/22, o detentor (a distribuidora) deve zelar para que o compartilhamento de infraestrutura se mantenha regular às normas técnicas e regulamentares aplicáveis.

A norma também dá à concessionária poder para retirar, sem prévia autorização cabos, fios, cordalhas ou equipamentos quando constatar ocupação clandestina, situações emergenciais ou que podem gerar acidentes e cobrar os custos decorrentes dos infratores (artigos 14º e 15º). Portanto, as empresas de energia elétrica também são responsáveis pela forma como seus postes são ocupados. A Neonergia Coelba, por exemplo, alega ter retirado 200 toneladas de cabos na Bahia em 2022, 260% mais que no ano anterior.

Embora a Resolução nº 1 determine que o compartilhamento de postes deve ser precedido pela aprovação de projeto pela concessionária, outra norma, a Resolução Número 4 garante direitos mesmo aos que instalaram cabeamento à revelia dos detentores da infraestrutura. Isso ocorre quando o provedor dispõe de ao menos um contrato com a empresa. Nesse caso, as redes são qualificadas pela norma como “à revelia”, e têm, após recebimento de notificação da companhia elétrica pelo ISP, prazo de 150 dias para serem regularizadas (parágrafo 3º, artigo 5º).

De fato, há excessos na ocupação de postes e, mesmo que tenham responsabilidade menor que a apregoada nesses casos, os ISPs acabam impactados pela situação até na onda de M&As por que passam atualmente. Em relatório divulgado em 2022, o BTG apontou que a dificuldade dos provedores de Internet em obter licenças para a instalação de redes aéreas estava motivando aquisições de provedores regionais, como a da TVC pela Unifique. Apesar da sobreposição de redes, conforme avaliava do banco, o negócio fazia sentido por conta das redes da primeira – devidamente legalizadas – disporem de tecnologia defasada. 

Ao não fazerem valer seus direitos, ISPs desvalorizam suas redes e acabam gerar um cenário ruim que, além de frear sua expansão, depreciam seus valores perante potenciais compradores. Se arbitrariedades são praticadas contra essas empresas, a Justiça pode ser acionada para corrigir a situação. 

(*) Lívia Carvalho Oliveira é advogada da equipe jurídica da VianaTel, consultoria especializada em regularização e apoio jurídico e contábil a provedores de Internet.

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