Opinião

Desenvolvimento científico e tecnológico importam

A escassez de investimentos em desenvolvimento científico nacional é a principal razão de dependência externa dos insumos necessários à vacina para o combate da cruel pandemia covid-19 que desafia o mundo. Não nos faltam expertise e competência para desenvolver insumos farmacêuticos não só para vacinas, mas, também, para muitos medicamentos. Somos referência mundial em programas sanitários abrangendo cerca de 30 vacinas produzidas no Brasil. Agora, ante a escassez de investimentos e falta de planejamento estratégico, dependemos de nações asiáticas para que tenhamos o insumo farmacêutico ativo (IFA) necessário à produção de vacinas contra a covid-19 para os 212 milhões de brasileiros.

O Brasil é um dos maiores mercados mundiais para medicamentos, a conviver com um grande gargalo que é a dependência de importação de fármaco-químicos, os princípios ativos na produção de remédios. Esse gargalo gera um elevado déficit na balança de pagamentos. O apoio governamental estimulou avanços na produção de medicamentos, principalmente nos genéricos, mas não houve equivalente avanço na inovação, especialmente nos biofármacos. Esses fatos já mereceram destaques no Webinar “Fármacos e a indústria farmacêutica no Brasil”, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (15/06/2020).

Políticas setoriais dispostas em leis voltadas à ciência e tecnologia têm sido instituídas para permitir investimentos a auferir visibilidade em projetos como, por exemplo, o Genoma. Os fundos setoriais implementados ao final dos anos 90, mas constantemente contingenciados em função do déficit fiscal, não propiciam oportunidades para a execução de programas de inovação científica e tecnológica. Contudo, promovemos para o mundo instituições como a Embrapa, Instituto Butantan, Fundação Oswaldo Cruz e outras. Desenvolvemos trabalhos importantes nas áreas de medicina (com ênfase para a exportação do tratamento para portadores do vírus HIV), agricultura, petróleo e mineração.

No mundo globalizado, onde ciência e tecnologia promovem ganho de produtividade e competitividade, o Brasil com honrosos exemplos participou de corridas tecnológicas. O de maior destaque é a Embraer, uma das maiores fabricantes da aviação mundial. Os seus aviões são resultados de anos de pesquisa de seus cientistas, a maioria oriunda do Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Também é oportuno ressaltar os desenvolvimentos com tecnologia nacional realizados pela Embrapa, Petrobras e Vale.

Apoiada no capital e na tecnologia foi histórico o relacionamento das telecomunicações com assuntos industriais. O Código Brasileiro de Telecomunicações, em 1962, já buscava promover e estimular o desenvolvimento da indústria de telecomunicações. Desde a sua criação, a Telebras contava com um Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento, que evoluiu em 1976 para uma Diretoria de Tecnologia, à qual se vinculou o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento – CPqD (uma entidade privada a partir de 1998).


Produzir componentes eletrônicos poderia ter sido a diferença entre a inserção ativa do Brasil na economia internacional e a condição de dependência tecnológica. A questão não era nova no país, pois desde os anos 70 havia tentativas de planejamento industrial. Algumas, como a reserva de mercado, foram danosas. Outras produziram resultados, como o desenvolvimento das centrais telefônicas digitais com preços abaixo dos praticados pelos fabricantes multinacionais. Essas razões motivaram a inclusão no projeto de lei de disposições que foram bem recebidas pelo Congresso Nacional e sancionadas em Leis (LGT e Funttel).

Assim, em função do que é notícia, espero que a demanda da vacina contra a Covid-19 não contagie o edital da tecnologia de 5ª geração (5G) conduzido pela Anatel. O tema é relevante e não pode, nem deve representar um ponto de desgaste que comprometa as relações diplomáticas e comerciais entre nações amigas. Sabemos que o avanço da economia chinesa nos últimos 20 anos tem por base investimentos e estímulos aos setores de infraestrutura de base, incentivos ao setor de TICs e em biotecnologia. Mediante planejamento estratégico, de longo prazo, suas empresas se tornaram referências mundiais. E o Brasil, consciente, ou inconscientemente, perdura em ser um país exportador de commodities.

Na questão 5G, deixemos a Anatel desempenhar suas competências legais e sem interferências. Isso não quer dizer que devamos abrir mão da preocupação de estabelecer políticas cibernéticas relacionadas à tecnologia 5G. A Anatel, com a força da lei que a criou, dispõe de um sábio conselho diretor e uma brilhante área técnica. O assunto é deveras importante para todos os países. Mas, prioritariamente, a hora é de negociar uma vacina para uma calamidade pandêmica sem precedentes.

Em países democráticos as instituições têm que ser fortalecidas de forma amistosa a evitar que relações pessoais prejudiquem os interesses científicos e tecnológicos nacionais. Na grande nação que é o Brasil, além de nossos pais e professores precisamos de cientistas, diálogo e entendimentos. Evitar rotas de colisão com outras nações também é preciso. Portanto, além da escassez de investimentos, há que se prestigiar os observadores, influenciadores e líderes junto às entidades de inovação e pesquisa científica, de forma ideal e real, para fomentar o bem-estar social.

No Brasil, ante a pandemia que limita a economia mundial, precisamos nos conscientizar da importância do desenvolvimento científico nacional. Todos percebemos que se trata de um fator estratégico para o nosso futuro. Mas, infelizmente, como não investimos adequadamente em desenvolvimento científico e tecnológico, precisamos de uma estratégia sofisticada perante às nações parceiras (americanas, europeias e asiáticas), porém de forma menos conflituosa e mediante negociação, para encontrar efeitos econômicos positivos para o País.

Juarez Quadros é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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