Dia das Comunicações, inovação tecnológica e o poder regulatório
Em 5 de maio comemora-se no Brasil o Dia das Comunicações. Trata-se de uma evocação em homenagem ao Marechal Cândido Rondon (1865-1958), o Patrono das Comunicações (a rememorar o dia do seu nascimento, 5 de maio de 1865, em Mimoso, bucólico trato do Pantanal, às margens da Baía de Chacororé, no Mato Grosso) que, de 1890 a 1915, comandou o prolongamento das linhas telegráficas até o que atualmente são os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, a conectar essa região (1.498.058 km2) ao resto do País.
Assim, Rondon viabilizou o telegrama para muitos brasileiros. Até hoje, lançar infraestrutura de comunicações em áreas de difícil acesso não é uma tarefa usual (exceto via satélite). Tanto que, somente com a inovação tecnológica da radiotelegrafia no Brasil (1917) o telégrafo (sem fio) chegou aos rincões que hoje são os estados do Acre, Amazonas e Roraima.
Para o Dia das Comunicações, poderia escrever sobre a fantástica inovação tecnológica (que, mundialmente, continua a se antecipar à inovação regulatória), ou ainda sobre o poder regulador do Estado (que, também, não consegue se antecipar à inovação tecnológica). Por oportuno, escrevo sobre a importância da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), pois o Estado, com os seus poderes constituídos, continuará a existir; a acompanhar o desenvolvimento da economia e da sociedade, a facilitar o acesso às tecnologias da informação e comunicações.
E a inovação tecnológica continuará a acontecer a nível global; a promover, mais e mais, novidades; sempre inserindo maior valor agregado a facilitar o dia a dia das pessoas. E o que é melhor, fortemente gestada pela iniciativa privada. E a inovação regulatória continuará a reboque da inovação tecnologia e, por vezes, atropelada pela burocracia do Estado.
A competência normativa da União, em matéria de telecomunicações; a que se refere a Constituição Federal de 1988 (CF), art. 22, IV e 48, XII; compreende não apenas a edição de leis, mas, também a edição de atos hierarquicamente inferiores. A regulação infralegal das atividades de telecomunicações cabe ao Poder Executivo, exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado, no caso, o Ministro das Comunicações (CF, artigos: 76; 84, IV, VI e parágrafo único; 87, parágrafo único, II), com a força da Emenda Constitucional n° 8/1995, que dispôs sobre a criação de um órgão regulador.
Esse órgão regulador (a que se refere a CF, art. 21, XI) é a Anatel, que tem a competência que a Lei 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT) lhe assinalou de, entre outras atribuições, elaborar normas hierarquicamente inferiores às leis. À Anatel é atribuída a responsabilidade de outorga de concessões, permissões e autorizações; fiscalização, intervenção e aplicação de sanções. Ao Poder Executivo é reservado o estabelecimento das políticas governamentais para o setor.
Consequentemente, a Anatel, assim como as demais agências reguladoras, foi concebida como entidade com personalidade jurídica inconfundível com os modelos tradicionais dos entes governamentais de direito público. Não é uma simples autarquia ou fundação pública, ou de direito privado, como as empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações privadas. Essas características de independência visam assegurar estabilidade à sua atuação, de forma a transmitir ao mercado a credibilidade necessária à atração de investimentos privados para o setor em benefício do consumidor.
Tais características relacionam-se à independência decisória (cabe à Anatel a decisão administrativa final sobre os assuntos de sua competência), autonomia de gestão, autonomia orçamentária e financeira. Esse grau de independência do órgão regulador justifica-se em razão das elevadas responsabilidades que legalmente lhe são atribuídas.
A LGT (artigos 8º, 9º, 10 e 11) dispôs a criação da Anatel como autoridade administrativa independente, integrada à Administração Federal Indireta e vinculada ao Ministério das Comunicações. Deu-se cumprimento ao preceito constitucional de promover a regulação das telecomunicações brasileiras via um órgão independente. Para tanto, o Conselho Diretor da Anatel, órgão máximo da Agência, requer atenção dos poderes Executivo e Legislativo; no que se refere a sua composição com cinco Conselheiros (LGT, art. 20), com mandatos fixos de cinco anos (LGT, art. 24); para que esteja sempre completo, de vez que anualmente, no mês de novembro, encerra-se o mandato de um dos seus membros.
Referida atenção mostrou-se presente com as nomeações, feitas pelo Poder Executivo em 13/04/2022, do Conselheiro Carlos Baigorri para a presidência da Agência e de Artur Coimbra para Conselheiro (aprovados pelo Senado Federal em 07/04/2022). Em consequência, os dois Conselheiros, devidamente empossados nos seus cargos, juntam-se aos Conselheiros Emmanoel Campelo, Moises Moreira e Vicente Aquino, a fazer com que o Conselho Diretor da Anatel atue de forma completa e com a titularidade de seus membros.
Temas importantes se inserem na agenda regulatória da Anatel. Oriundos do tempo passado, a Agência tem que administrar, entre outros passivos: a extinção dos perecíveis contratos de concessão de telefonia fixa (prevista para 2025), a delicada finalização do processo de recuperação judicial da Oi (ainda em 2022) e, também, atuar na equação da insana fome tributária sobre o setor. Apreciando o tempo futuro, tem que conduzir a introdução do 5G no Brasil. Para tanto, realizou o maior leilão de frequências da história das Comunicações no País, ao autorizar o uso de 3.710 MHz nas faixas de 700 MHz; 2,3 GHz; 3,5 GHz e 26 GHz.
Quanto ao custo, o leilão de 5G rendeu quase R$ 48 bilhões, dos quais, cerca de R$ 40 bilhões não irão para o Tesouro, pois destinam-se à elogiáveis compromissos socioeconômicos. Lembrar que a quebra do monopólio estatal do celular (1997), com a venda das licenças da banda B, rendeu ao Tesouro R$ 8,3 bilhões (cerca de R$ 59 bilhões, corrigido para 2021) e a alienação das ações representativas de 19% do capital total das empresas do Sistema Telebrás (1998), rendeu ao Tesouro R$ 22 bilhões (cerca de R$ 162 bilhões, corrigido para 2021).
Os compromissos socioeconômicos do leilão de 5G obrigam cobertura 4G, ou superior, em áreas não atendidas (9.696 localidades e 31 mil km de rodovias federais), fibra óptica em cidades que ainda não a têm e nos municípios com mais de 30 mil habitantes promover o atendimento com 5G em determinados prazos. Nas capitais dos Estados e Distrito Federal esse atendimento deverá acontecer, de modo inicial, até 31 de julho de 2022. Obrigam, ainda, conectar escolas públicas de educação básica, ressarcir custos para migração da TV aberta e gratuita com antenas parabólicas na banda C satelital para a banda Ku e, adicionalmente, implantar o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS) e o Projeto Rede Privativa de Comunicação da Administração Pública Federal.
Então, Conselheiros, com o suporte da competente área técnica da Anatel, busquem (e encontrem) o apoio dos poderes constituídos da República e da sociedade brasileira, de modo a fortalecer ainda mais a Agência, a permitir que ela exerça as suas competências legais, mediante recursos financeiros, humanos e tecnológicos necessários ao fiel cumprimento de suas atribuições. Pois, o tempo avança, a tecnologia segue seu curso e a regulação continuará como desafio que precisa ser vencido com inovação, ousadia, criatividade, modernidade, previsibilidade e equilíbrio; para que assim, a cada 5 de maio, continuemos a comemorar o Dia das Comunicações no Brasil.
(*) O autor é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.