Inteligência Artificial: ame ou odeie, ela mudou a regra do jogo
Há quem ame e odeie a Inteligência Artificial. Muitos por convicção, outros porque veem na tecnologia uma ameaça aos empregos e à forma como vivemos hoje, alguns por desconhecimento sobre o potencial do mercado de IA. O fato é que não dá para ignorar o crescimento da Inteligência Artificial, que deve gerar, em 2021, quase US$ 3 trilhões de valor para os negócios e 6,2 bilhões de horas de produtividade em todo o mundo, segundo o Gartner.
Para alguns especialistas, as plataformas de inteligência cognitiva são vistas como símbolo de esperança para solucionar questões mais complexas nas áreas de educação e saúde. É difícil pensar em um setor que não vá demandar funcionalidades da IA para gerir dados que possam ser utilizados de maneira estratégica na tomada de decisões.
O ceticismo inicial em relação ao uso da tecnologia cedeu espaço para discussões mais profundas sobre a evolução da IA e de que forma ela impactará as pessoas e os negócios nos próximos anos. O tema tem se tornado tão relevante que norteou discussões do Choose France, evento organizado pelo governo francês com o objetivo de atrair investimentos, e do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Eu mesmo tive a oportunidade de participar do lançamento do relatório The Global Talent Competitiveness Index 2020 (GTCI) do INSEAD, que este ano abordou o talento global na era da Inteligência Artificial.
Os dados do estudo apontam que a IA representa uma oportunidade real para ajudar várias regiões a iniciar um novo ciclo de crescimento e eficiência. A América Latina, por exemplo, tem potencial para se tornar um hub de talentos em Inteligência Artificial e soluções digitais nos próximos anos. O relatório do INSEAD, uma das maiores e mais prestigiadas escolas de negócios do mundo, avalia a aplicação da tecnologia globalmente e revela os avanços na região. Entre os 100 países mais bem preparados para utilizar a Inteligência Artificial, 15 são na América Latina, com destaque para o México, Uruguai, Chile e Brasil.
Se de um lado existe o desafio de desenvolver talentos especializados em IA, de outro há um crescimento – em alguns locais mais tímido – do número de jovens entrando nas universidades. Com uma população estimada em meio bilhão de pessoas nos cinco dos mais promissores países em digital sourcing – Brasil, México, Colômbia, Peru e Argentina -, a região conta com um espírito empreendedor nato, que pode alavancar o interesse das pessoas por STEM (sigla em inglês para Science, Technology, Engineering e Mathematics) e, consequentemente, por programas de transformação digital.
Através de parcerias com universidades e de investimentos contínuos, as empresas poderão contar não apenas com profissionais capazes de executar projetos com Inteligência Artificial, mas também com pessoas altamente qualificadas para trabalhar com pesquisa e desenvolvimento.
Este novo cenário refletirá diretamente no desempenho do PIB. A pesquisa “O impacto da IA no mercado de trabalho, realizada pela consultoria americana DuckerFrontier a pedido da Microsoft, aponta que a Inteligência Artificial pode dinamizar e aumentar a eficiência da economia brasileira. As simulações mostram que a adoção máxima de IA em vários segmentos pode aumentar a taxa composta anual de crescimento (CAGR) do Produto Interno Bruto (PIB) para 7,1% ao ano até 2030, considerando um cenário de máximo impacto pelos benefícios da IA. Esse é um aumento superior à projeção de 2,9% de crescimento do PIB feita pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no mesmo período.
Com a formação de novos talentos e a ampliação de projetos com base em IA, algumas empresas poderão utilizar as tecnologias digitais no modelo nearshore, ou seja, entre regiões próximas ou em países vizinhos, com línguas, fusos horários e culturas semelhantes. Isso significa que companhias de origem latino-americana têm condições de atender bem o mercado americano, da mesma forma que fornecedores da Europa Oriental podem suprir a demanda por serviços no lado Ocidental. Quando estão em fusos horários parecidos, os profissionais interagem mais e melhor, ampliando a produtividade.
No capítulo que assino no relatório do INSEAD, em parceria com Fábio Caversan, diretor de pesquisa cognitiva da Stefanini Estados Unidos, destacamos que existem profissionais de nível sênior na América Latina que podem ser retreinados com foco na IA. Para isso é necessário investir em educação, trazendo uma abordagem mais humana para o debate.
Também é fundamental compreender o alcance da Inteligência Artificial, possíveis mudanças no comportamento humano e a lógica dos algoritmos para que o governo e a iniciativa privada possam construir uma estratégia nacional de IA, que prime pela ética e seja capaz de transformar a sociedade do futuro. Pelas discussões acompanhadas em Davos, não restam dúvidas de que o melhor da Inteligência Artificial está por vir e que esta tecnologia, atuando em conjunto os humanos, mudará a regra do jogo muito antes do que imaginávamos.
(*) Marco Stefanini é fundador e CEO global da Stefanini, multinacional brasileira presente em 41 países.