Opinião

Justiça dá novas perspectivas ao streaming no Brasil

A Claro apresentou denúncia em desfavor da Fox, colocando em dúvida o enquadramento regulatório das aplicações de programadoras de canais de televisão, disponíveis a clientes na internet mediante um pagamento mensal por meio de páginas ou aplicativos. Neste caso, os aplicativos Fox+ (Fox plus) e Esporte Interativo Plus.

O conflito entre as partes exige o esclarecimento sobre o modelo de negócio em que o assinante contrata acesso aos canais transmitidos de maneira linear por meio da internet, despertando o seguinte questionamento: Afinal, o acesso a esses canais é um Serviço de Valor Adicionado (SVA), ou seria uma oferta de Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), regido pela Lei nº 12.485/2011 e dependente de outorga da Anatel?

A questão é analisada sob dois aspectos: (1) difusão linear de conteúdo e (2) distribuição desse conteúdo. Isso porque, de acordo com a lei vigente no Brasil, as produtoras de conteúdo não podem distribuí-lo. Essa função é desempenhada pelas distribuidoras que comercializam os pacotes e, em contrapartida, não podem criar obras ou definir a programação, que é definida pela lei como “arranjo de conteúdos audiovisuais organizados em sequência linear temporal em horários pré-determinados”. O conceito por detrás da regra consiste em evitar a concentração verticalizada entre o distribuidor e o produtor de conteúdo.

Vale dizer que o conteúdo audiovisual de acesso condicionado, na prática, já é disponibilizado, por meio de aplicativo na Internet, mediante autenticação de assinantes por prestadora do SeAC. O cerne da questão consiste em compreender se esses entendimentos corroboram para o desenvolvimento do setor, ou não, porque os serviços de entrega de conteúdo audiovisual vêm passando por significativas mudanças, evidenciadas com a evolução da convergência das tecnologias da informação e comunicação, estabelecendo novos paradigmas para a exploração do serviço sob o ponto de vista da oferta e da demanda.

Com este pano de fundo, a Anatel, em meados de junho, determinou em medida cautelar – despacho decisório 128/2019/CPRP/SCP – que a Fox passasse a condicionar o acesso aos seus canais programados disponíveis no app à autenticação de assinantes, sob pena de multa diária de cem mil reais, por eventual descumprimento, até o limite de vinte milhões de reais. Insatisfeita com essa medida, a Fox impetrou Mandado de Segurança e obteve a suspensão dos efeitos da decisão da Anatel, permitindo a veiculação do aplicativo Fox+ tal qual foi desenvolvido, sem a necessidade de condicionamento de acesso à autenticação de assinantes.


Segundo a Fox, não haveria ilegalidades na sua atuação, uma vez que os serviços oferecidos são de aplicação de internet acessada a partir de serviços de banda larga contratados e remunerados pelo consumidor, regidos pelo Marco Civil da Internet, não podendo ser caracterizado como serviço clandestino de TV por assinatura.

A recente decisão da Justiça brasileira, que suspendeu os efeitos da medida cautelar da Anatel e liberou a FOX para voltar a vender serviço de TV pela internet, joga luz à falta de respaldo regulatório no tema, provocado pelas grandes mudanças nos modelos de negócios e licenciamento de conteúdo com a ascensão do streaming. A Anatel, por sua vez, mantendo um tom de incerteza se a prática da Fox estaria ferindo a lei do SeAC, deu início ao procedimento de Tomada de Subsídios com o objetivo de receber a opinião dos diferentes atores da sociedade para melhor avaliar os aspectos técnicos que envolvem a denúncia apresentada pela Claro.

Importante ressaltar que, caso a decisão da Anatel seja posteriormente ratificada e a legislação do setor não seja atualizada para acompanhar a realidade dos serviços oferecidos, grandes grupos serão diretamente afetados e gerando imensa incerteza jurídica a outros serviços que disponibilizam programação linear na internet no país. Governos de todo o mundo já estão revendo suas leis, sendo liberada, em alguns países, a junção de produtoras de conteúdo e distribuidoras. Essa prática no Brasil é inviável e, por consequência, algumas empresas estrangeiras já cogitam retirar da prateleira sua programação de canais da TV fechada no Brasil.

Caso seja definido que a distribuição de canais pela internet não é um Serviço de Acesso Condicionado, pode-se esperar o deslocamento em massa dos serviços de TV por assinatura para a internet, funcionando por distribuição Over-The-Top, como a Netflix, contando com uma carga tributária reduzida. Desta forma, estima-se que o caso Claro x Fox seja determinante para o futuro da TV por assinatura no Brasil. Afinal, o streaming já é uma realidade para o consumo de conteúdo em vídeo em todo o mundo e, com a chegada da tecnologia 5G, esse modelo deverá atingir um público ainda maior.

Por fim, com regras bem definidas, os players do setor terão a segurança jurídica necessária para interagirem através dos novos modelos de negócios, trazendo inovação e aportando investimentos em “solos mais férteis”.

*Cecília Cunha é especialista em Mídias e Tecnologia do Vinhas e Redenschi Advogados

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