No aniversário de 20 anos, qual o presente a Anatel ganhará da sociedade?
Em seu aniversário de 20 anos, a Anatel não poderia estar diante de um cenário mais desafiador: sua reformulação passa, necessariamente, pela busca de mais legitimidade para a tomada de suas decisões. E em meio às discussões sobre a Estratégia Brasileira de Transformação Digital e o Plano Nacional de Conectividade, uma coisa é certa: a importância do fortalecimento da Agência, pela própria Agência.
Justamente nesse contexto, emerge a divergência entre a área técnica e o Conselho Diretor sobre as particularidades do TAC da Telefônica/Vivo. Divergências essas que já extrapolam os corredores da Agência e causam incômodos com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia Geral da União (AGU) e, em menor escala, com o Ministério Público e o próprio Governo. O fortalecimento da Anatel coloca à prova seu compromisso de transparência com a totalidade do nosso ecossistema regulatório. E a execução do TAC é a prova de conceito.
Transcorridos mais de 45 dias do julgamento pelo TCU, não obstante o pleito da ABRINT para que fosse dada visibilidade a toda sociedade acerca dos ajustes conduzidos pela Agência, a Anatel ainda não se manifestou. Também não houve qualquer pronunciamento pela Anatel acerca dos compromissos adicionais propostos pela Telefônica e se os mesmos atendem às exigências contidas na regulamentação em vigor.
As fragilidades originais e as recomendações do Tribunal estarão bem endereçadas na nova versão que deveria seguir para aprovação do Conselho Diretor da Agência? Ou a inércia da Anatel promoverá a exposição, mais uma vez, de seus conselheiros, perante o TCU e toda a sociedade, minando sua autonomia e competência enquanto órgão regulador?
Não gostaríamos, de maneira alguma, que a primeira reunião com a ABRINT sobre o TAC da Telefônica/Vivo ocorresse nas salas de reunião do TCU e não da Anatel. Transparência e responsabilidade: são essas as únicas bandeiras capazes de salvaguardar os 20 anos da história da Anatel e, acima de tudo, o interesse público na alocação correta desses recursos objeto da conversão das multas.
A ABRINT reitera a importância da transparência sobre as cidades eleitas no projeto executivo e a necessidade de diálogo com a Agência sobre questões que permanecem mal esclarecidas. E esse diálogo inicia-se com a escolha dos municípios e áreas prioritárias para investimento: em um primeiro momento, norteadas pela ausência efetiva de infraestrutura local, ou inviabilidade absoluta na eficiência da exploração comercial. Como medida extrema e última, caberia o balanceamento com o elemento ponderador: maior população beneficiada. Adicionalmente, o foco dos investimentos recairia exclusivamente sobre redes core da prestadora (backbone e backhaul), sujeitas a política de compartilhamento obrigatório desde a sua implantação, em condições isonômicas, seguindo modelagem de custos.
Nossa insegurança é patente: as fragilidades do TAC e dos compromissos adicionais firmados podem repercutir em prejuízo ao objetivo fim de inclusão digital dos brasileiros e perda de um ambiente competitivo equilibrado. Um dos principais pontos que também motiva essa insegurança, presente nos condicionantes do TCU, é a aplicação adequada da metodologia de cálculo do fator de desigualdade social e regional e de execução de projetos estratégicos, especialmente se considerada a pretensão normativa desse TAC da Telefonica/Vivo para balizar os futuros TACs.
Adicionalmente e não menos relevante é a perspectiva (incerta) da aplicação da cláusula de distorção competitiva do TAC: como endereçar a necessidade de avaliação prévia pela Anatel, também apontada como condicionante pelo TCU, a respeito do impacto concorrencial nessas áreas já eleitas pelas operadoras beneficiadas?
Não é possível haver equilíbrio na competição do mercado de banda larga se não houver transparência na alocação dos investimentos, clareza no mapeamento das cidades e regiões eleitas e garantia de compartilhamento amplo e irrestrito dessas redes.
Reiteramos a necessidade da Anatel veicular a pauta de trabalhos para fixação dos critérios de cumprimento dos condicionamentos do TCU, permitindo que os resultados publicados sejam objeto de avaliação por todos os agentes potencialmente afetados, bem como pelas associações civis que os representam.
Se a Anatel conseguir garantir o equilíbrio entre os compromissos de investimento firmados nos TACs com a preservação dos interesses legítimos dos provedores regionais e novos entrantes nas localidades eleitas, ela então receberá seu maior presente de 20 anos: o fortalecimento de sua legitimidade perante o ecossistema regulatório e perante a sociedade brasileira. Torçamos, todos, por isso.
*Cristiane Sanches é Diretora Jurídica da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (ABRINT)