Opinião

Nunca antes na história da Anatel

Em função do que é notícia, a Anatel passa por um dos momentos mais importantes da sua história e precisa navegar ao largo de uma eventual crise circunstancial de modo a evitar uma crise institucional. A elaboração do leilão das redes ditas de quinta geração (5G), fundamentais para o País, é de competência da Anatel. Para tanto, é necessário que o Poder Executivo determine diretrizes bem definidas, mediante uma política governamental para o leilão de 5G.

Com a publicação da portaria ministerial a estabelecer diretrizes para a licitação das radiofrequências para 5G, no último dia útil (29/01) que precedia o dia (01/02) da reunião do Conselho Diretor da Anatel para a análise da proposta do edital da nova tecnologia, foi aceso o rastilho de uma possível crise circunstancial. Pelo que se lê, parece que faltaram detalhes diretivos de certas obrigações. Outras autoridades, incluindo parlamentares e membros dos órgãos de controle, precisam conhecer os “features” da tecnologia 5G para que, dentro das suas competências legais, acompanhem a Anatel na chegada dessa tecnologia ao Brasil.

Para tanto, cabe lembrar que um dos objetivos da reforma do setor de telecomunicações brasileiro, iniciada em 1995, foi fortalecer o papel regulador do Estado. Esse objetivo orientava que o Estado promovesse um grau adequado de supervisão sobre o setor, de modo a assegurar que fossem alcançados os objetivos essenciais da reforma, a criação de um mercado de competição efetiva e a proteção dos consumidores.

Àquele tempo foi notado que, em praticamente todos os países que já tinham promovido reestruturação de suas telecomunicações, algum tipo de organismo regulador (comissão, autoridade, ofício, agência etc.) fora implementado. Foi decidido, então, que no Brasil seria uma agência. A questão essencial passou a ser definir os poderes e atribuições da agência reguladora, com o objetivo de torná-los claros para o mercado e para a sociedade em geral.

Assim, a agência deveria ser peça-chave para garantir a estabilidade das regras dispostas para o mercado. Seria, portanto, uma agência dotada de competência técnica e de independência decisória a inspirar confiança, pois ao contrário; sem autonomia gerencial, com dependência restritiva ou sem capacidade técnica; geraria desconfiança e afastaria os investidores. Para tanto, desfrutaria de liberdade gerencial, autonomia e seria obrigada a prestar contas, assim como, disporia de regras e controles internos para limitar o poder das pessoas individualmente.


Com a Emenda Constitucional nº 8 (1995) e a Lei Geral de Telecomunicações – LGT (1997), em 5/11/1997, foi instituída a Anatel, com as competências que a lei lhe assinalou, compreendendo, entre outras atribuições, a responsabilidade de outorgar concessões, permissões e autorizações, incluindo a preparação e realização dos procedimentos licitatórios. Lato sensu, à Anatel compete a adoção das medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, conforme disposições detalhadas no caput e nos 31 incisos do art. 19 da LGT.

Então, quem decide? Quem decidirá sobre o leilão será o Conselho Diretor da Anatel. Além disso, serão os conselheiros os responsáveis, junto ao Tribunal de Contas da União, pelo sucesso (ou insucesso) do certame licitatório. Quem compra? As operadoras comprarão não só os equipamentos (dos fabricantes), mas também as radiofrequências (da União, via Anatel). Quem recebe? Quem receberá os recursos auferidos no leilão será o Tesouro Nacional. Quem paga a conta? Quando usarem os serviços, quem pagará a conta serão os consumidores que esperam ansiosos pela eficiência regulatória da Anatel na realização do maior procedimento licitatório da sua história, quando será leiloado o total de 3.710 MHz de espectro. Simples assim.

Vê-se, portanto, que nunca antes na história da Anatel um leilão de radiofrequências igual a esse ocorreu e, dada a sua complexidade, contivesse potencial viés para desencontros institucionais. O Conselho Diretor da Anatel sabe como agir, fazer acontecer e mitigar eventuais acidentes de percurso. E as autoridades constituídas precisam garantir a continuidade da ação do Estado no setor. Afinal de contas, ao longo de 23 anos de existência, ao contar com servidores especializados (de referência mundial), a Anatel acumula competência técnica e tem independência decisória para bem fazer a coisa pública. Então deixemos a Anatel desempenhar as suas competências legais para que tenhamos, com brevidade, as redes 5G no Brasil.

(*) O autor é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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