O crescimento da banda larga e os novos direitos dos consumidores
Por Bárbara Castro Alves *
À medida que a banda larga se dissemina pelo país, é natural que o ritmo de crescimento diminua. É o que acontece, embora ele permaneça relevante. Conforme a Anatel, em setembro, havia 47,9 milhões de conexões fixas ativas no país, o que representa a adição de 2,5 milhões no ano. Se a média mensal for mantida, serão, em 2023, 3,3 milhões de novos acessos. Embora bem inferior aos 5,4 milhões registrados em 2021 – auge da pandemia – e abaixo dos 3,7 milhões do ano passado, o número ficaria próximo do que marcou o início do boom da internet rápida no país: 3,4 milhões em 2020.
Dois estudos divulgados em novembro esclarecem onde e entre quais públicos essa expansão se deu e como ela ainda pode persistir. Embora apresentem divergências quanto aos números e percentuais, o módulo TIC da PNAD Contínua 2022, do IBGE, e a TIC Domicílios 2023, elaborada pelo Cetic.br – departamento do NIC.br, ligado ao Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) – convergem ao apresentar os grupos em que se concentram as mudanças, o que possibilita identificar algumas tendências.
A universalização dos acessos estaria mais próxima segundo o IBGE, que aponta conectividade em 91,5% das residências do país no ano passado, 0,5 ponto percentual a mais que em 2021. Já na TIC Domicílios, o mesmo indicador estaria em 84% no segundo trimestre de 2023, com alta de 3 pontos percentuais na comparação anual. Conforme os dois estudos, seja a partir de uma base maior, seja com uma expansão mais acelerada, levará alguns anos para que a Internet atinja seu “teto”, algo que, ao menos por ora, é indefinido.
Com tantas realidades diferentes no país, é algo utópico esperar que todos habitantes com mais de 10 anos estejam, algum dia, conectados à Web. Por outro lado, o crescimento das conexões, conforme os dois estudos, deu-se principalmente entre grupos que dispõem das mesmas características dos que permanecem fora da Internet. Há, portanto, uma inclusão digital em curso, com potencial para seguir adiante.
Conforme a PNAD, a maioria dos que não acessaram a Web em 2022 era de pessoas sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto (78,5%), seguidas pelas que têm mais de 60 anos de idade (52,3%). Não por acaso, a falta de habilidade na navegação foi a principal justificativa usada pelos excluídos do meio digital para não utilizarem a Internet (47,7%), algo que é mais notório entre os idosos (66,1%). Ocorre que o próprio IBGE destaca o ingresso deste último público como um dos mais acentuados nos últimos anos, indo de 24,7% em 2016 a 57,5% em 2021 e chegando a 62,1% no ano passado.
A TIC Domicílios, do Cetic.br, também detecta elevados percentuais de pessoas com baixa escolaridade e idosos entre os não-usuários da Internet (82,7% e 55,1%, respectivamente), mas observa grande participação de outros grupos, como integrantes das classes D e E: 58,6%. Ao mesmo tempo, o estudo destaca o crescimento da conectividade nos lares de pessoas de baixa renda, indo de 87% para 91% na classe C, e de 60% a 67% nas D e E.
Como, de acordo com o IBGE, fatores econômicos – preço dos serviços e dos dispositivos – têm menor relevância entre os que afastam as pessoas da Web (justificativa citada por 16,2% dos excluídos), ainda há potencial de crescimento nestes grupos, assim como se observa nos demais que concentram os que permanecem fora do ambiente online.
Ocorre que, ao mesmo tempo em que esses públicos – ainda pouco familiarizados com a navegação – chegavam à Internet, os serviços de telecomunicações evoluíam, dentre outros, com a multiplicação de ofertas que dispõem de atendimento exclusivamente digital. A fim de regulamentar estas e outras modalidades que se tornaram usuais e adequar suas regras à realidade do mercado, a Anatel atualizou o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), com sua Resolução 765, publicada no Diário Oficial da União no início de novembro.
Observando a evolução dos meios digitais e seu crescente uso, a norma possibilita, dentre outros, que as empresas não disponham de atendimento presencial e comercializem serviços com canais de suporte a usuários exclusivamente eletrônicos – desde que haja um meio oportuno de contato para eventuais quedas de sinal.
A flexibilização das regras contempla todas as empresas, mas é maior para os Prestadores de Pequeno Porte (PPPs). Isso já constava no regulamento anterior, a Resolução 632 – que será revogada em setembro do próximo ano, quando a Resolução 765 passa a vigorar –, por exemplo, com a obrigatoriedade de que essas empresas disponham de atendimento telefônico por oito horas em dias úteis – as grandes operadoras devem fazê-lo 24 horas todos os dias do ano. Ambas as determinações foram mantidas na nova norma.
A Resolução 765, no entanto, prevê que PPPs não têm a obrigação de fornecer a clientes históricos de demandas, documentos de cobranças dos seis meses anteriores à sua solicitação ou gravações de atendimentos telefônicos, dentre outros que são regulamentados por artigos ou trechos do regulamento que não se aplicam a essas empresas.
Menos rigorosas ainda são as determinações destinadas aos ISPs que detêm até cinco mil acessos, os quais, conforme a Anatel, seriam 93,3% dos provedores em atividade no país. Em linhas gerais, devem seguir alguns dos princípios que regem a Resolução 765, mas que não trazem regras objetivas, como prazos para o atendimento a demandas de consumidores ou requisitos mínimos para o funcionamento dos canais voltados a clientes.
Ao estabelecer diferentes graus de exigências conforme o porte das empresas, a Anatel busca estimular a competição. Essa assimetria foi um dos fatores que possibilitou o crescimento e a proliferação dos provedores regionais, maiores responsáveis pela expansão da Internet no país observada a partir de 2020. Isso fica evidente com o contínuo crescimento da conectividade entre habitantes de áreas rurais – regiões atendidas por esses ISPs. Entre 2016 e 2021, o indicador saltou de 33,9% para 67,5%, chegando a 72,7% no ano passado, conforme o IBGE.
Ocorre que a liberdade trazida pelo novo regulamento a essas empresas contrasta com a falta de habilidade digital dos que estão ingressando na Web – majoritariamente a partir da contratação de seus serviços.
Se a Resolução 765 torna facultativa a oferta de atendimento presencial para todas as empresas e, para os ISPs com até cinco mil acessos, não traz parâmetros, dentre outros, para o funcionamento do suporte telefônico a clientes nem prazos para a solução de queixas, é recomendável aos provedores de menor porte que não se limitem ao cumprimento da norma e disponibilizem soluções capazes de satisfazer as necessidades de seus públicos. É desta forma que garantirão que esses novos usuários da Internet permaneçam consumindo seus serviços e que outros passem a fazê-lo.
* Bárbara Castro Alves é gerente de assuntos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada em regularização de ISPs