Opinião

O teletrabalho e a reforma trabalhista

O desenvolvimento de atividades pelos empregados na modalidade de teletrabalho vem ganhando adeptos no cenário brasileiro, principalmente em setores onde a presença física não se mostra como um fator determinante para o desenvolvimento das atividades ou em grandes metrópoles onde o deslocamento dos profissionais, às vezes, é maior que o período de trabalho desenvolvido, ocasionando perda de produtividade e acréscimo dos níveis de estresse e doenças.

De acordo com dados de pesquisa da CNI – Confederação Nacional da Indústria coletados em 2016, 81% dos brasileiros buscam maior flexibilidade em suas rotinas e locais de trabalho, sendo que 73% colocam a flexibilidade de horários como um dos grandes atrativos do mercado. Com os avanços tecnológicos e com a possibilidade do desenvolvimento de tarefas de forma remota, graças à informatização dos meios de trabalho que hoje podem ser desempenhados por computadores portáteis, tablets e smartphones, o teletrabalho se mostra como um grande benefício para o desenvolvimento das atividades, ainda mais em cidades com grande tráfego de automóveis e largos períodos de locomoção dos empregados.

Por mais que os benefícios do teletrabalho possam ser claramente aparentes, a ausência de uma legislação específica que trate do tema e os seus desdobramentos durante o contrato de trabalho, trazem nítidas situações de insegurança jurídica que prejudicam a sua ampla implementação pelo mercado.

Um pequeno avanço sobre o tema ocorreu com a alteração do art. 6º da CLT, com o advento da Lei nº 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que equiparou o trabalho desenvolvido a distância com o realizado nas dependências internas da empresa. A alteração do artigo também levou à releitura do enunciado 428 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), adaptado às novas tecnologias no ambiente de trabalho quanto às questões que envolvem o sobreaviso.

Ocorre que tal equiparação promove consequências e questões práticas que merecem ser observadas, isso porque ainda residem na doutrina e jurisprudência questões de ordem práticas que quando levadas ao conhecimento do Judiciário reabrem debates acerca de questões preliminares da relação de trabalho, das quais podemos citar as discussões relativas às horas-extras, controle de jornada, horas de sobreaviso, responsabilidade sobre os custos para manutenção e desenvolvimento das atividades remotas, acidente de trabalho, entre outras.


Desta forma, o relatório da atual reforma trabalhista dispõe de artigos específicos sobre o tema do teletrabalho, objetivando estabelecer regulações mínimas para o desenvolvimento da modalidade. O texto da reforma insere o teletrabalho em uma das modalidades do atual artigo 62 da CLT, com a inclusão do inciso III do atual dispositivo e, em seguida, conceitua suas formas e regulação da atividade no Capítulo II-A ao Título II.

Com a inclusão do teletrabalho no artigo 62 da CLT, dentro da seção específica que trata da duração do trabalho, inclui-se a modalidade dentro das exceções trazidas pelo artigo, assim como ocorre com os empregados em cargo de confiança e os dotados de atividade externa onde não é possível o controle de jornada. De fato, a questão do controle de jornada do profissional que executa suas atividades fora do local de trabalho é tema que ainda gera dúvidas quando levado à discussão no Judiciário.

Aqui temos o teletrabalho na concepção não apenas do trabalho realizado em casa (home office), mas toda atividade desempenhada fora das dependências da empresa, considerando o teletrabalho, ainda, a atividade executada fora de um local físico específico (coworking, cafés, internet coffes etc.), diferenciando-se e não se confundindo com a atividade estritamente externa. A inclusão do teletrabalho dentro das excludentes do controle de jornada favorece a utilização do modelo, entretanto, o fato da adoção do teletrabalho por si só não exclui o pagamento de horas-extras se há possibilidade ou realização do efetivo controle de jornada da empresa.

A questão não é nova e ocorre nas outras duas modalidades dispostas no artigo 62. Havendo condições ou prova de controle das atividades e da efetiva jornada do profissional, fica descaracterizada a excludente do artigo 62 da CLT. Hoje, com as ferramentas tecnológicas, é perfeitamente possível que o controle de jornada se adapte às questões do teletrabalho.

Com a implementação de tecnologias que permitem a marcação da hora de ingresso, intervalos e saída do profissional, por meio de sistemas aptos e legitimados de login e logoff (pontos móveis), a disposição inserida no projeto de reforma que inclui o artigo 62, III da CLT torna-se inaplicável, por entendimento análogo quando há possibilidade de controle da atividade externa do artigo 62, I da CLT.

Assim, a impossibilidade de controle e a não utilização de qualquer meio de duração da jornada de trabalho deve ser observada pela empresa que pretende utilizar da modalidade do teletrabalho nos exatos termos do artigo proposto pela reforma. A lei também tratou de regular a formalização do teletrabalho, utilizando a forma escrita como essencial para a fixação da modalidade entre empregador e empregado e, ainda, garantindo a não descaracterização de suas formas caso haja a necessidade de comparecimento periódico do profissional na sede da empresa.

O objetivo dessas inclusões no projeto visa a garantir maior segurança jurídica na relação, reduzindo as discussões sobre a ocorrência ou não do trabalho e suas formas de apresentação ao fixar o termo escrito como necessário para disciplinar suas regras, condições e obrigações estabelecidas pelas partes.

Sobre a não descaracterização da modalidade pelo simples fato de o empregado comparecer à sede da empresa de forma periódica, é situação que se adapta às formas de inclusão benéfica do empregado dentro das discussões e rotina da empresa, contato com os demais colaboradores que atuam em regime interno, bem como forma de gestão mais próxima das necessidades de contato direto com a gestão e alinhamento das estratégias e objetivos do trabalho desenvolvido.

O projeto ainda garante a possibilidade de alteração do regime de teletrabalho inicialmente contratado para o regime presencial, por determinação do empregador, garantindo o prazo de 15 dias para transição entre as modalidades, devendo expressamente constar do aditivo contratual a transformação da atual forma de prestação.

O texto não trata sobre a possibilidade ou necessidade de aceite do empregado. Trata-se de poder diretivo do empregador a mudança do regime de teletrabalho para o regime habitual interno de prestação de serviços. Cabem ressalvas sobre tal dispositivo. Se há expressa garantia na CLT, em seu artigo 468, sobre a vedação de alteração unilateral do contrato de trabalho que se apresente como prejuízo ao empregado, questões devem ser observadas na aplicação do dispositivo em comento.

Deverão ser observadas as particularidades e os impactos que a mudança do contrato de trabalho acarretará ao trabalhador, com análise direta do artigo 468 da CLT, sendo necessária, ainda, a avaliação sobre as duas condições de validade para sua alteração, quais sejam: consentimento do empregado e alteração não prejudicial.

Outro ponto da reforma que merece avaliação conforme dispositivo da CLT já existente, diz respeito aos custos e despesas realizadas pelo empregado no exercício da função na modalidade de teletrabalho. O projeto prevê a inclusão do artigo 75-D transferindo para a livre negociação entre as partes a responsabilidade pelos custos e despesas no desenvolvimento das atividades realizadas por meio de teletrabalho. Ao estipular a necessidade de previsão em contrato escrito sobre os custos envolvidos, entende-se, em uma primeira leitura, que poderão ser negociadas as formas e o tipo de reembolso sobre determinadas questões na relação estabelecida entre as partes.

Tal situação pode encontrar obstáculos no princípio da alteridade, onde é vedado o repasse do risco da atividade empresarial ao empregado. Desta forma, as ferramentas básicas de trabalho (telefone, computador, conexão de internet etc.) devem ser disponibilizadas pela empresa ou, no limite, reembolsados os gastos com toda a estrutura para o atendimento das atividades.Admite-se negociar as formas de como o reembolso possa ser realizado, e as formas de desenvolvimento dessas atividades conforme as particularidades de cada caso, entretanto, não nos parece razoável a negociação que transfere os custos de atividade ao empregado de forma total e indiscriminada.

Temos o exemplo do profissional que possui um dispositivo até mesmo mais moderno do que o fornecido pela empresa, uma conexão de navegação na rede de maior qualidade que a da empresa e pretende utilizar sua própria estrutura. Tal situação poderá ser acomodada pela livre negociação e, ainda, negociadas as formas de suportar os custos, que podem ser por via de pagamento de ajuda de custo.Sobre esse tema, a lei também explicita que os pagamentos não integram a remuneração do empregado, trazendo maior segurança em sua aplicação. O acidente de trabalho, as doenças profissionais e a preocupação sobre as questões de saúde e meio ambiente do trabalho também são incluídas no projeto de reforma que trata sobre o teletrabalho.

Especialmente em seu artigo 75-E o projeto trata sobre a obrigatoriedade do empregador de instruir de maneira expressa e ostensiva quanto às questões envolvendo segurança do trabalho, doenças e acidentes de cunho profissional.Apesar de a lei exigir a assinatura do empregado em seguir todas as instruções fornecidas pelo empregador quanto às formas de precaução de doenças e acidentes, as suas responsabilidades sobre tais temas não se resumem a somente manter o termo formal escrito. A implantação do teletrabalho não exime a empresa do cumprimento das regras de ergonomia, segurança e saúde do ambiente de trabalho, pois as responsabilidades da empregadora se mantém na questão de vigilância e manutenção do ambiente saudável.

Assim, será necessário que tal situação seja incluída diretamente no contrato de trabalho, possibilitando ao empregador o exercício de sua atividade sem que infrinja diretamente os direitos de intimidade do empregado, de modo a verificar as condições de trabalho, os equipamentos utilizados e as formas de ergonomia seguidas para o desempenho de suas funções.Quando for o caso de fornecimento de EPIs, devem ser observados e mantidos os seus rígidos controles sobre validade e periodicidade de renovação.

Por fim, mesmo não abrangendo todas as peculiaridades existentes com o teletrabalho que envolvem discussões com princípios já consagrados do direito do trabalho e, ainda, com direto impacto com artigos já existentes na CLT, o projeto, nesse ponto específico, é visto como um avanço na regulamentação do trabalho e segurança das relações dessa natureza.

O teletrabalho é uma tendência mundial, onde a tecnologia atua diretamente na otimização das tarefas e da desnecessidade de presença física do empregado nas dependências do empregador, sendo um instrumento importante de fortalecimento da economia frente aos demais mercados e mecanismos de qualidade não só para as empresas, que podem se valer da equalização de suas estruturas físicas para redução de custos, mas para o próprio empregado, que poderá desenvolver suas atividades com maior qualidade de vida, sem a necessidade de locomoção exaustiva como as que presenciamos nos grandes centros urbanos.

*Antonio Carlos Bratefixe Junior é Sócio da Área Trabalhista de Có Crivelli Advogados

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