Opinião

O uso de VPNs e a suspensão do X no Brasil

Por Alexandre de Albuquerque* e Juarez Quadros do Nascimento**

A decisão inicial do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal – STF, de suspender a rede social X (antigo Twitter) no Brasil, em 30 de agosto, trazia no seu bojo um complicador ao dispor sobre o bloqueio de aplicativos na Rede Privada Virtual (VPN – da sigla em inglês Virtual Private Network). Havia na decisão um efeito supostamente desconhecido pelo ministro, ou seus auxiliares, pois o uso dos aplicativos de VPN, por sua natureza, não se atém a simplesmente bloquear a citada ferramenta.

Ao justificar a suspensão do X, o ministro citou o Marco Civil da Internet, pelo qual as empresas de internet devem ter representação no país e cumprir decisões judiciais sobre a retirada de conteúdo considerado ilegal. É público que a rede social X estava sem representante legal no país desde 17 de agosto.

Mas, ao decretar o bloqueio da rede social X, o ministro determinou que plataformas retirassem de suas lojas virtuais os aplicativos que possibilitassem o uso de VPN. O ministro havia intimado as empresas para que “inserissem obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar a utilização do aplicativo X”, o que previa a retirada de aplicativos que possibilitassem o uso de VPN.

O ministro recuou e suspendeu a execução do item 2 da sua decisão. Disse ter considerado a possibilidade do X, ou o dono da rede social, cumprirem a decisão judicial integralmente. Se isso acontecesse, as outras empresas teriam “eventuais transtornos desnecessários e reversíveis” para cumprir a medida, destacou o ministro. Porém, de forma prévia e sumária, ficou mantida a multa para pessoas físicas e jurídicas que acessarem o X via VPN.


O ministro também suspendeu a decisão que obrigava plataformas retirar o aplicativo do X de suas lojas. Além disso, havia estipulado o prazo de cinco dias para que as empresas deixassem de oferecer o aplicativo da plataforma para os usuários de IOS e Android.

Nesse contexto importa comentar, sem esgotar o tema, sobre o uso de uma VPN. No momento o tema segurança da informação é um dos temas mais relevantes a considerar no mundo digital. Nele se insere o uso de VPN, como uma ferramenta para garantir a integridade e privacidade na transmissão de dados. A escolha, implementação e uso de uma VPN não é algo trivial, e soluções de VPN inseguras podem ser encontradas no mercado.

Trata-se de uma rede de comunicações privada instalada sobre uma rede de comunicações pública – como a Internet. O tráfego de dados é conduzido pela rede pública a utilizar protocolos padrões Cria uma conexão segura e criptografada, que permite conexão entre um ou mais computadores e um servidor operado na VPN. A utilização da VPN não é ilegal no Brasil, contudo o usuário pode ser responsabilizado em caso de prática de atos ilícitos no ambiente digital.

Com a pandemia, que rapidamente se transformou em uma crise socioeconômica mundial, tornou-se comum o uso de VPN. Com o teletrabalho o funcionário acessa arquivos da organização na qual colabora. De pronto, a equipe de cyber security configura a VPN no computador do trabalhador para acesso direcionado aos servidores da rede da organização.

Os principais objetivos da ferramenta VPN são:

– Criptografar a transmissão dos dados, visando proteger a conexão com a internet ante eventuais acessos não autorizados.

– Ocultar o endereço IP (Internet Protocol) do usuário, tornando a sua localização invisível e com isso preservando sua privacidade.

– Proteger contra ataques externos, uma vez que a conexão VPN é uma ferramenta de segurança contra esses ataques.

– Evitar limitação de dados, pois a VPN impede que o provedor (Internet Service Provider – ISP) administre o tráfego de dados cursado pelo usuário.

– Garantir segurança nos pontos de acesso com Wi-Fi em locais públicos, onde dados dos usuários são expostos para terceiros mal-intencionados.

Lembrar que as VPNs têm comandos de desligamento, que encerram programas pré-selecionados quando surge atividade suspeita, de modo a proteger seus usuários. Cautelarmente, as organizações usam esses comandos em suas rotinas de trabalho.

Na decisão do ministro, a determinação (revogada) de bloqueio das ferramentas mencionadas demanda explicação. A VPN é uma funcionalidade que não precisa de um aplicativo específico para o seu uso. Os sistemas operacionais permitem sua configuração no próprio sistema. Pode ser estabelecida entre dois quaisquer endereços IPs que tenham o recurso configurado. Para bloquear o uso efetivo do recurso seria necessário desplugar a internet de todos os conectados.

A determinação (revogada) de bloquear aplicativos de VPN, poderia incautamente mover usuários na busca de aplicativos não confiáveis que, por serem aplicativos de origem duvidosa, exporiam os dados desses usuários aos oportunistas de plantão.

No artigo “Fake News: como corrigir o rumo no Brasil?”, divulgado no Convergência Digital (julho/2020), relatamos que “As plataformas para redes sociais surgiram no início dos anos 2000 com o objetivo de conectar pessoas. Entretanto, ultrapassando isso, elas se tornaram um fórum para discussão de ideias, tanto para o bem, como para o mal.” https://convergenciadigital.com.br/opiniao/fake-news-como-corrigir-o-rumo-no-brasil/.

Que “Em 2020, o Congresso Nacional está a tratar da questão, inicialmente no Senado Federal onde já tramitou o Projeto de Lei 2.630/2020 (conhecido como PL das “Fake News”). Mediante substitutivo, o PL foi aprovado pelo Senado (30/06/2020) em uma votação apertada (44 senadores a favor e 32 contrários). A matéria segue, então, para a Câmara dos Deputados. Se houver alterações na Câmara o PL retorna ao Senado, para a confirmação, ou não, das eventuais alterações introduzidas. Depois de passar pela Câmara e Senado, o PL irá à sanção presidencial para (com, ou, sem vetos) ser transformado em Lei.”

Que “Entidades da sociedade civil esperam que na Câmara sejam corrigidos itens do texto aprovado no Senado, principalmente aqueles que colocariam em risco direitos fundamentais, a exemplo da inviolabilidade das comunicações, quebra de privacidade, riscos à liberdade de expressão e conflitos com o Marco Civil da Internet. Contudo, vários avanços poderiam ser apontados no PL aprovado pelo Senado, como a retirada de medidas de obrigação de análise de conteúdo pelas plataformas e diversos tipos penais, assim como, dispositivos que dariam espaço para a criminalização de usuários que promovessem críticas políticas.”

Mas a coisa não anda. O embate com o X expõe a fragilidade do Brasil para lidar com as redes sociais devido à ausência de regulação. O que demonstra a dificuldade institucional para lidar com as redes sociais. A falta de um marco regulatório relativo ao tema faz com que se tenha de apreciar discussões sobre polémicas decisões judiciais.

A necessidade de regulação efetiva das redes sociais, é um desafio que a cúpula do Congresso Nacional aparentemente não demonstra vontade política para encaminhar a discussão do PL das Fake News. Como o Poder Legislativo não “legisla” sobre o tema, o Poder Judiciário “judicializa” a questão.

(*) Cientista da Computação, é gerente de Tecnologia da Informação da Fundação de Inovação Tecnológica – FITec.

(**) Engenheiro Eletricista, Evangelista Regulatório e Tecnológico, é presidente do Conselho Curador da Fundação de Inovação Tecnológica – FITec. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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