Opinião

O voto popular, as agências reguladoras e as iniciativas inconsequentes

No dia 2 de outubro, teremos o primeiro turno das eleições de 2022 no Brasil. País onde habitam 214 milhões de pessoas, em grande parte expostos às desigualdades socioeconômicas, entre regiões geográficas e entre classes de renda pessoal e familiar. Então, que seja evitada uma visão estreita de segmentos dos 156 milhões de eleitores que precisam de um ângulo maior ao olhar o como votar para todas as 513 cadeiras de deputados federais e um terço das 81 cadeiras de senadores. Isso, sem falar das eleições para presidente e vice-presidente do País, governadores e vice-governadores das 27 Unidades da Federação e para os deputados de suas casas legislativas. Afinal de contas, “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (CF, art. 1º, Parágrafo único).

Assim como o escritor visa a página, o músico a pauta, o ator o palco (ou a tela) e assim o fazem demais cidadãos com relação às suas profissões; o político legislador deve visar o que fazer (política) e o político executivo o como fazer (estratégia). Assim, nossos políticos ao serem eleitos pelo povo, entre outras responsabilidades, devem reconhecer a importância do comércio de serviços para o crescimento e desenvolvimento da economia brasileira, a propiciar princípios e regras aplicáveis aos setores de infraestrutura (transportes, energia, telecomunicações etc.), com vistas às suas expansões sob condições de transparência e liberalização progressiva.

A propósito, está circulando pelo Congresso Nacional uma minuta de Projeto de Emenda à Constituição (PEC), chamada “PEC dos Freios e Contrapesos”, que retiraria as atividades executiva, normativa e de contencioso administrativo das Agências Reguladoras. A proposta, que ainda não é um projeto, disporia que a atividade executiva da administração pública seria exercida por meio dos ministérios, secretarias estaduais e secretarias municipais, bem como autarquias, fundações e agências.

Segundo a PEC, a atividade normativa seria exercida por meio de conselhos ligados aos ministérios e secretarias que atuariam nas funções de regulação e edição de atos normativos infralegais. Tais colegiados seriam compostos por representantes dos ministérios, das agências, dos setores regulados da atividade econômica, da academia e dos consumidores.

Dessa forma, as Agências Reguladoras perderiam a competência regulatória. Ficariam impedidas de emitir normas sobre os setores que regulam. Os conselhos diretores das agências seriam substituídos por conselhos ligados aos ministérios. Na prática, a PEC retiraria a independência das agências a estreitar atuação política sobre a regulação.Não há necessidade dessas mudanças. E se houvesse, que fossem feitas mediante um circunstanciado estudo de âmbito político, jurídico, econômico e tecnológico, com amplo debate junto à sociedade, de modo a evitar retrocesso institucional, desperdício de dinheiro público e perda de ganhos políticos conquistados de forma democrática.


Iniciativas inconsequentes de alteração de disposições constitucionais (ou legais) para os significativos mercados regulados podem prejudicar a democratização da estrutura de poder no País; diminuir a competitividade da economia; impedir o desenvolvimento social e aumentar as desigualdades, pois prejudicam a busca e o encontro do acesso universal aos serviços básicos (e essenciais). Há poder concentrado nas Agências Reguladoras? Não há. A pretensa intenção contida na PEC aparenta um grave equívoco. O que deve caber ao legislador, escolhido pelo eleitor para lhe representar constitucionalmente, é fortalecer o papel regulador do Estado, de modo a atrair investimento e assim criar condições para que o desenvolvimento dos diversos setores de infraestrutura ocorra harmoniosamente com as metas de desenvolvimento do País.

Cabe lembrar que uma agência reguladora é peça-chave para inspirar (ou não) a certeza dos investidores na estabilidade das regras dispostas para o mercado. Uma entidade dotada de competência técnica e de independência decisória inspira confiança. Ao contrário, uma organização sem autonomia gerencial, com algum tipo de dependência restritiva (ou sem capacidade técnica), gera desconfiança e, consequentemente, afugenta os investidores.

As agências diferem de outros organismos governamentais porque têm de tomar decisões que pressupõem o exercício de poder discricionário. Para que elas sejam eficientes e eficazes, portanto, faz-se necessário que disponham de competência técnica e desfrutem de liberdade gerencial, autonomia, prestem contas e disponham de regras e controles internos para limitar o poder das pessoas individualmente.

Tudo isso já ocorre nas Agências Reguladoras brasileiras. Os exemplos são públicos e notórios. As decisões são colegiadas; o processo de decisão é variável, em função do impacto da decisão; utilizam grupos consultivos; atos e mecanismos são submetidos à consulta pública, antes da decisão; e o período de carência entre a tomada de uma decisão e sua entrada em vigor, dá oportunidade às várias partes afetadas de se manifestar.

O delineamento do perfil jurídico das Agências Reguladoras no país reside em premissas extraídas do próprio sistema constitucional brasileiro. Tanto que a competência normativa da União não compreende apenas a edição de leis, mas também a edição de normas hierarquicamente inferiores, desde que não exorbitem do poder regulamentar (CF, art. 49, V). A regulamentação, em nível infralegal, cabe ao Poder Executivo (exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado).

Para o exercício de suas competências legais, as agências dispõem, como órgãos superiores, do Conselho Diretor e do Conselho Consultivo, sendo o primeiro o seu organismo máximo. Dispõem, também, de Procuradoria, Auditoria, Corregedoria e Ouvidoria, sem prejuízo da criação de outras unidades necessárias ao desempenho das suas funções. As sessões do Conselho Diretor são públicas. E os conselheiros diretores são brasileiros de reputação ilibada, com formação universitária e elevado conceito no campo de suas especialidades, escolhidos pelo Presidente da República e submetidos à aprovação do Senado Federal, vedada a recondução dos seus mandatos.

A conclusão possível é que, eventualmente, alguns agentes incomodados buscam a revisão do papel das Agências Reguladores, supostamente assentados no fato de que elas funcionam como órgãos de Estado, portanto imunes à eventuais tentativas de interferências políticas em suas decisões puramente técnicas que, hoje, garantem a estabilidade regulatória e tanto ajudam no bom funcionamento do mercado e, consequentemente, a atração de investimentos.

Então caríssimos eleitores; ainda que, passadas as eleições, grande parte de nós esqueçamos os candidatos nos quais sufragamos nossos votos para ocupar cadeiras nas casas legislativas; acompanhemos se os feitos parlamentares dos eleitos estão compatíveis com as delegações que demos (e daremos) a eles, para assim conferirmos se realmente todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição Federal, a Carta Magna do Brasil.

(*) O autor é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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