Os desafios da adoção de uma cultura ágil
Muito se tem falado sobre metodologias ágeis e, em grande parte das vezes, associando-as diretamente a diferenciais como rapidez e velocidade no desenvolvimento de projetos. Não está totalmente errado, mas não deixa de ser uma visão limitante de um conceito que, para além das metodologias, reflete uma cultura.
O que chamamos hoje de Ágil está muito mais relacionado a atitudes, a formas de olhar e agir sobre determinados problemas do que às metodologias propriamente ditas. Simplificando, agilidade é reconhecer que todo trabalho é feito por pessoas para resolver os problemas de outras pessoas e, neste contexto, a velocidade não é o principal fator, já que muitas vezes é preciso reduzir o ritmo para realizar o que realmente importa.
Aplicada na prática, a cultura ágil deve alinhar comportamentos, processos e decisões utilizando um meio diferente de encarar e resolver problemas. Estamos falando aqui de um conjunto de coisas que devem ressignificar esses aspectos dentro de uma organização, mudando o modelo de gestão e, consequentemente, o dia a dia das pessoas que farão o projeto acontecer.
A mudança tem como foco os chamados valores limitantes das empresas, como a burocracia, por exemplo. Ela deve ser eliminada não apenas no discurso, mas também na prática, e daí a importância da metodologia estar perfeitamente alinhada ao comportamento das pessoas. Uma cultura fraca é aquela em que as pessoas falam, mas não realizam.
Criar uma cultura ágil passa pela construção de um sistema de regras e políticas que façam com que os processos fluam. A cultura será, na verdade, o resultado deste conjunto de acordos que vai criar os comportamentos esperados, como flexibilidade, abertura e desejo de evolução. E um dos principais aspectos dessa nova cultura é o amadurecimento e a melhoria contínuas.
Percebemos que a cultura ágil está funcionando quando vemos um ambiente em permanente evolução e resolvendo problemas. Por exemplo, o SCRUM só é SCRUM se a cada sprint a empresa melhorar o processo em relação ao sprint anterior. O foco é encarar os problemas de frente e conquistar melhorias todos os dias.
Por isso é fundamental envolver as pessoas e dar a elas a visão do propósito de seu trabalho. O motor da evolução vem do entendimento que o colaborador tem sobre o valor do que ele está fazendo. O grande condutor dessa visão é a média gestão da empresa, que faz a ponte entre o estratégico e operacional e tem nas mãos a possibilidade de transformar a estratégia em motivação.
Criar essa rede, que envolve praticamente toda a empresa, exige que a organização tenha um conhecimento profundo de seus processos, seus fluxos e de como as pessoas trabalham, assim como seus papeis e responsabilidades. É a partir desse conhecimento que se torna possível identificar o que é possível melhorar e, começando daí, cada problema resolvido torna-se um passo a mais.
A evolução está aí, em conhecer o ambiente, entender que é possível melhorar e se mexer nessa direção. Parece simples, mas é um processo que envolve desafios próprios a cada empresa. Cada uma tem suas características, dificuldades e insatisfações. Para desenhar o futuro da organização é preciso entender suas dores e adotar uma abordagem evolutiva, resolvendo um problema por vez.
Talvez esteja aí o maior desafio. Essa abordagem não é algo que se venda facilmente. Na maior parte das vezes, as pessoas ficam mais confortáveis com planos de longo prazo ou com soluções de curto prazo. A abordagem evolutiva está no meio do caminho: quando se resolve um problema, não se sabe qual será o próximo. Quando um gargalo é resolvido, não se sabe onde vai surgir ouro.
O fato é que planos muito longos e detalhados tendem a gerar revisões constantes. Por isso a criação de um cultura ágil exige uma visão do objetivo, mas realizações passo a passo. O plano não pode se tornar mais importante que a realidade, podendo mudar de direção sempre que necessário.
É sempre bom lembrar que o contexto ágil é um meio, não um fim. Seu propósito não é rodar a metodologia, seja qual for, mas resolver os problemas. Perder essa conexão com o negócio é um risco, por isso o ciclo precisa estar em constante avaliação e passando por adaptações sempre que necessário.
Também não se pode exagerar no que alguns estão chamando de “timecentrismo”. O foco exagerado em times com missões específicas fomenta a criação de silos dentro das empresas, o que não é bom. O foco da cultura ágil é a reorganização da empresa em torno dos problemas que ela deve resolver e, como eles tendem a mudar, também a organização deve seguir evoluindo.
*Paulo Marcelo é CEO da Solutis.