Opinião

Os desafios para regular o Ecossistema Digital

O cenário é de sequência do curso de um processo histórico que, na sua origem, contou com trabalhos que resultaram no Código Brasileiro de Telecomunicações – CBT (Lei 4.117, de 1962), o primeiro grande marco na história das Comunicações no Brasil; na Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472, de 1997), o segundo grande marco; e de outros atos correlatos. Agora, estamos à beira de uma nova era dessa história. Entretanto, com relação ao tema, aparentemente, ainda não se percebe o comprometimento das mais altas autoridades constituídas da Nação. A abordagem da questão no Brasil parece acontecer de forma “Bottom-up” (de baixo para cima). O ideal seria que fosse na forma “Top-down” (de cima para baixo).

No artigo “Quão difícil é reformar ou instituir estatutos constitucionais”; publicado no site “Teleco”, coluna Em Debate, em 13/09/2020; destaquei que: “A reforma ou a instituição de estatutos constitucionais, assim como legais, para serem factíveis precisam de planejamento e amplo comprometimento. Uma agenda a envolver grandes reformas, por natureza, é lenta. E mais ainda quando por falta de planejamento e comprometimento; muitas vezes, dentro do próprio governo; ocorrem resistências”. No artigo também comentei que o CBT, determinado pela Constituição Federal, de 1946, foi finalizado 16 anos depois (1962); e que a LGT, determinada pela Emenda Constitucional nº 8, de 1995, foi finalizada dois anos depois (1997).

No Ecossistema Digital tem-se um cenário novo, rico em esperança, mas temível em seus desafios regulatórios. Esse cenário exige equações eficientes para o emprego de uma rede de tecnologias, plataformas e serviços digitais interligados que interagem entre si, a criar valor para governos, empresas e consumidores. As inovações tecnológicas continuam a metamorfosear o mundo e para usufruí-las são necessárias inovações regulatórias compatíveis. E se pessoas comuns não as entenderem e controlarem, quem fará isso?

Inovações regulatórias raramente são momentos do tipo eureca. Em geral, são resultados de trabalhos conjuntos, realizados ao longo de um bom tempo, em que os seus autores tornam-se parte de algo maior do que qualquer um deles seria capaz de fazer isoladamente. As disposições a versar sobre o Ecossistema Digital demandam uma visão inteiramente nova, pois o mundo está diante de inovações extraordinárias e em um novo ambiente de convivência humana.

No ambiente do consumidor, o personagem central do cenário se insere em um contexto de crescimento do consumo digital, pede mais banda larga, menos gasto e menos tributo. Muitos podem ser atendidos, entretanto, ainda existem muitos excluídos digitalmente. Alguns até podem pagar, mas a conexão não chega até eles. E outros não têm como pagar e, consequentemente, se não forem devidamente assistidos, podem se tornar analfabetos digitais e até mesmo migrar para a condição de verdadeiros eremitas sociais.


No ambiente empresarial, as operadoras de telecomunicações procuram novas formas de atuação. Buscam investimentos que permitam protagonismo, mediante consolidação, lucro e economia de escala. Mas, em valor de mercado, as operadoras de telecomunicações se distanciam das operadoras digitais (as Over The Top – OTTs). Em paralelo, surgem as operadoras de infraestrutura com redes neutras. As operadoras de telecomunicações oferecem serviços e as operadoras digitais oferecem conteúdo, porém, questionam que os investimentos necessários não estariam sendo devidamente remunerados. Enquanto isso, os fabricantes investem em pesquisa, desenvolvimento e produção e estão aptos para vender as soluções ansiosamente esperadas pelos usuários.

No ambiente regulatório, os agentes reguladores, principalmente dos países mais desenvolvidos, procuram encontrar uma modelagem justa para o investimento em tecnologias, plataformas e serviços, a permitir aos usuários conectividade de forma rápida, confiável e repleta de conteúdo. Para tanto, tentam desenhar um modelo a envolver Telecomunicações, Comunicações, Computação, Inteligência Artificial, Web 3.0, Internet das Coisas etc.

Enfim, a proposição possível é que a sociedade brasileira disponha de uma política pública nacional, feita com todos e para todos os cidadãos, mediante planejamento e comprometimento das mais altas autoridades constituídas. Política essa que proporcione impacto social positivo e compartilhado por todos, a observar condições importantíssimas, tais como: um só diploma legal, direito fundamental, isonomia, defesa do consumidor, essencialidade, competição, popularização (ou universalização) etc.

* Juarez Quadros do Nascimento é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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