Opinião

Os drones e a tecnologia 5G

A realização recente dos leilões de espectro de frequências para a prestação de serviços móveis 5G trouxe à tona expectativas e questionamentos de diferentes segmentos da sociedade sobre a dimensão econômica e social deste esperado marco tecnológico, bem como, sobre o que estes novos serviços podem vir a representar em termos de transformações no nosso cotidiano, na produtividade das empresas e dos indivíduos e na economia em geral.

Segmento altamente dependente de comunicações sem fio confiáveis e seguras, espera-se que as operações de drones sejam também beneficiadas pela chegada do 5G, trazendo maior cobertura geográfica, mais altas taxas de transmissão de dados, menores latências, maior imunidade a interferências e maior segurança cibernética, entre outros atributos de qualidade de serviço (QoS).

O objetivo deste artigo é o de examinar a situação atual dos meios e serviços de comunicação de dados utilizados pelos drones no âmbito das economias mais avançadas e no Brasil, assim como, as perspectivas de oferta e utilização, à frente, de serviços 5G adequados à sua operação no país.

Drones no Brasil

Em geral, o que sabemos sobre os drones? Sabemos que 80% do mercado mundial de drones de pequeno porte, estimado em unidades de milhões, é dominado pelos chineses (quem nunca ouviu falar da DJI?), sem perspectiva de reversão à vista. Sabemos da utilização de drones militares armados de grande porte no Oriente Médio, na caça a membros de organizações terroristas pelos EUA (quem nunca viu a foto de um Predator disparando um míssil?).


E sabemos também que existem perto de 90 mil drones, ou RPAS (Remotely Piloted Aircraft Systems), civis cadastrados no Sistema SISANT da ANAC, dos quais, ca. de 50 mil de uso recreativo e 40 mil de uso comercial ou profissional, nas mais variadas aplicações. Agricultura, entrega de encomendas, inspeção de linhas de transmissão e aerofotogrametria estão entre as principais.

Os drones, em sua grande maioria, utilizam-se de radiofrequências livres e não licenciadas de radiação restrita nas bandas ISM de 900 MHz, 2.4 e 5.8 GHz (as mesmas do conhecido Wi-Fi), com soluções homologadas via OCDs e Sistema MOSAICO da ANATEL, para os enlaces de comunicação de comando e controle (C2) ou CNPC (control and non-payload communications) e de transferência de imagens de vídeo ou de outros sensores de aplicação embarcados, com a estação remota de pilotagem (RPS).

Operam, geralmente, dentro do envelope básico de 120 m de altura de voo sobre o solo, até 25 Kg de peso de decolagem (Classe 3), e em linha de visada direta (VLOS) entre o piloto, ou observador remoto, e a aeronave (RPA), conforme as normas RBAC-E 94 da ANAC e ICA 100-40 do DECEA. Informações relativas a pilotos, missões, planos de voo e autorizações para uso do espaço aéreo são tratadas pelo Sistema SARPAS do DECEA.

Entretanto, buscando superar limitações em alcance e vulnerabilidade a interferências, entre outros fatores, e a permitir missões e operações seguras fora do envelope básico, drones de maior capacidade e peso (Classes 2 e 1) ou até 25 Kg em alturas de voo acima dos 120 m e/ou em modo BVLOS (além da linha de visada direta), e visando a suportar missões de inspeção de linhas de transmissão em longas distâncias, bem como, de entrega de encomendas (drone delivery), vêm sendo testados e utilizados, experimental ou regularmente, nos últimos 2 anos, serviços de comunicações móveis das redes LTE 4G 700 Mhz das principais operadoras nacionais, com destaque para a TIM, que, já em 2018, realizava testes em LTE 4G com a Embrapa Instrumentação, São Carlos, e com o Corpo de Bombeiros RJ, na patrulha e resgate marítimo, a exemplo do que já vem se fazendo há 4-5 anos nos EUA e nos principais países da Europa. Nestes testes iniciais, o enlace celular foi somente utilizado para a comunicação dos sinais dos payloads, geralmente, câmeras de vídeo. Estamos ainda no começo. E no 4G.

Por razões mercadológicas, já existe grande expectativa com relação aos serviços 5G voltados para o segmento dos drones, embora, até o momento, exista compreensão ainda muito limitada, o mesmo podendo se dizer da padronização entre as soluções e as redes móveis, e um ambiente ainda bastante incipiente no que toca à efetiva utilização e gerenciamento dos níveis de serviço (QoS/SLA) dos recursos do LTE 4G, vis-à-vis os requisitos de segurança aeronáutica (safety), meios de compliance, testes e verificabilidade, encontrados nos processos de Autorização de Projeto e Certificação de Aeronavegabilidade Experimental atualmente em curso na ANAC. Deve-se passar ainda por um processo de maturação no entendimento das reais possibilidades, vantagens e limitações práticas dos serviços LTE 4G aplicados aos drones. Os EUA e os países da CE encontram-se também nesta fase de equalização entre as culturas das telecomunicações e da aviação, o que é refletido em diversos comitês, grupos de trabalho e de interesse, em diferentes associações de classe e organismos de padronização. Mais, adiante.

Serviços LTE 4G para drones

Setores da indústria, fabricantes e operadores de drones em âmbito mundial começaram a articular-se na direção da utilização de serviços LTE 4G para o link C2/CNPC a partir do relatório ‘LTE Unmanned Aircraft Systems – Field Tests’, publicado pela Qualcomm em 2017, referência seminal no assunto. Redes LTE 4G poderiam fornecer ampla cobertura, boa relação sinal/ruído, altas taxas de transmissão e as suficientemente baixas latências requeridas pelos links C2/CNPC de drones a baixa altitude, entre outros parâmetros de QoS, como, disponibilidade, confiabilidade e segurança.

Entretanto, pelo fato de as redes móveis serem otimizadas para cobertura terrestre (das suas dezenas ou centenas de milhões de assinantes), via inclinação (tilt) mecânica ou elétrica das antenas, observou-se nos estudos de campo que os drones, com o aumento da altura de voo sobre o solo, recebiam cobertura de sinal apenas dos lóbulos laterais do diagrama de radiação das antenas das ERBs. Além disso, como a altura de voo dos drones geralmente excedia a altura das antenas, grande parte das comunicações com estes se davam em linha de visada direta, o que, por outro lado, gerava problemas de interferência inter-células, indicando um quadro não-trivial para o planejamento de RF e a respectiva cobertura de drones no espaço aéreo dentro dos respectivos requisitos de QoS vis-à-vis a cobertura terrestre maciça de terminais de usuário ou, mesmo, de dispositivos IoT de banda estreita ou larga, ainda que em grandes quantidades. A densidade de drones em uma dada região, associada a maior altura de voo destes, apenas potencializava os problemas encontrados, com impactos negativos na base de usuários móveis terrestres.

Neste mesmo ano de 2017, o 3GPP iniciou estudo sobre o Rel. 15, intitulado “An Overview of 3GPP Release-15 Study on Enhanced LTE Support for Connected Drones”, analisando, entre outros tópicos, alternativas para a mitigação de interferências no UpLink e no DownLink, UL e DL, bem como a interferência de drones na base terrestre de usuários móveis. Os resultados deste estudo geraram recomendações de trabalho que resultaram em novas funcionalidades, resumidas no documento “Enhanced LTE for Connected Drones”, em 2018. Dentre os mecanismos de mitigação de interferência inicialmente identificados, figuram MIMO, beam forming e ICIC (inter-cell interference coordination), entre outros.

A modelagem inicial de tráfego e requisitos do 3GPP considerou 60/100 Kbps para C2 em UL/DL, latência de 50 ms de eNB-UAV e taxa de erro de pacotes inferior a 10-3, com aplicação de vídeo streaming e demanda de 50 Mbps no UL.

Neste interim, e com o desenvolvimento de conceitos e padrões relativos ao gerenciamento de tráfego aéreo de drones (UTM – Unmanned Traffic Management, U-Space – Unmanned-Space, RID – Drone Remote Identification e DAA – Detect and Avoid, entre outros), identificou-se o potencial de utilização das redes móveis LTE 4G também no suporte a estes serviços. Neste período, deu-se também incremento expressivo da inteligência na automação da pilotagem e do controle e navegação nas operações aéreas, visando a modular os requisitos mais estritos de resposta rápida (turnaround) exigidos dos canais de C2, e em suas situações de falha e recuperação, criando uma nova divisão de tarefas entre o piloto em comando e as soluções de automação (ou autonomia) embarcadas.

A GSMA e a GUTMA – Global UTM Association, através da criação do DIG – Drone Interest Group e da ACJA – Aerial Connectivity Joint Activity, catalisaram a definição de perfis de usuários de serviços móveis aéreos (EU), critérios de cobertura, comunicações críticas e não-críticas e requisitos de QoS, baseados no 3GPP Rel. 15, além de arquiteturas de solução para suporte a UTM, à identificação remota de drones, RID, e ao seu rastreamento (tracking).  O documento de referência para esta etapa é GSMA LTE UNI Profile V1.0, publicado em 2021. Operadores como TEOCO, TELSTRA, KPN, AT&T, T-Mobile e Verizon e fabricantes como Qualcomm, Ericsson e Seaquans, destacaram-se nesta etapa de desenvolvimento tecnológico e de provas de conceito.

 Fabricantes de drones e de produtos OEM logo identificaram a oportunidade de acrescentar módulos de interface de comunicações LTE 4G, em diferentes fatores de forma (SoC, SIM card, pen-drive, dongle e módulos stand-alone), ao seu portifólio de ofertas. Destacam-se, no primeiro grupo, a Parrot e a DJI e, no segundo, a Elsight, a Quectel, a Qualcomm e a Fibocom. Fabricantes nacionais de drones, como XMobots e Speedbird Aero, começam a se utilizar de serviços LTE 4G de operadoras móveis nacionais, ainda em escala bastante restrita. Em 2021, a Parrot lançou seu drone-robô Anafi Ai, com módulo Fibocom L860-GL LTE 4G, com fallback para Wi-Fi, Cat 16 (Gigabit LTE), 4×4 DL MIMO, suporte a agregação de portadora e modulação 256 QAM, já homologado pela ANATEL, considerado como a primeira implementação nativa do 4G em drones de pequeno porte.

A DJI lançou um modem USB (dongle) para o seu modelo Mavic 3, IG830, também já homologado pela ANATEL como ETA-I (Estação Terminal de Acesso, categoria I), em favor de Hoglink Wireless Solutions. No mesmo período, a Qualcomm lançou sua plataforma robótica para drones, Snapdragon RB5, com capacidade de processamento de inteligência artificial e visão computacional, baseada no processador QRB5165, com suporte avançado para conexões 4G e 5G. Adicionalmente, o EUROCAE WG-105 SG-2 trabalha, em conjunto com a RTCA e em interação com GUTMA, DIG e ACJA, em documento relativo a padrões de desempenho operacional mínimos para a utilização de serviços celulares nos enlaces de C2/CNPC, UTM e outros serviços de suporte, com finalização prevista para o final de 2022.

Como as características técnicas e operacionais de redes e serviços LTE 4G são ainda de conhecimento quase exclusivo das comunidades de engenharia, implantação e suporte destes serviços, e muito pouco conhecidas das comunidades aeronáutica, de controle do tráfego aéreo e de fabricantes e operadores de drones, pode-se antecipar prazos e esforços significativos para uma equalização de conhecimentos e de manejo do uso regular e eficiente destes serviços.

Deve-se ainda ter ainda em mente que as operadoras de LTE 4G e 5G, têm como principal negócio o atendimento de suas dezenas ou centenas de milhões de assinantes, priorizando as classes e as localidades de maior poder aquisitivo e, logo, de maior ARPU ou ticket médio. Que nível de alocação de recursos, atenção comercial e suporte técnico os poucos (milhares? ou centenas?) de operadores de drones irão receber destas no início, assim como, os níveis e formas de tarifação dos serviços móveis verticais, deve ser ainda verificado. O mesmo se poderia dizer com relação à expectativa de cobertura ostensiva em 5G em áreas rurais, de agricultura, pecuária, infraestruturas e grandes extensões regionais. A conferir. A cobertura LTE 4G já está lá.

Serviços 5G para drones

Enquanto ganha tração e escala a utilização de redes 4G, desenvolvem-se, no âmbito do 3GPP, nos Rel.16 e Rel.17, casos de uso e especificações para serviços 5G voltados para aplicações de drones (UAS-UAV), incluindo conectividade, identificação remota e rastreamento, UTM e serviços de suporte e camadas de aplicação, com parâmetros de QoS e KPIs específicos para os diferentes perfis de tráfego e aplicações, uma vez caracterizados, o que ainda é parte dos trabalhos.

A página UAS – UAV do site oficial 3GPP (https://www.3gpp.org/uas-uav) elenca os principais tópicos de trabalho no escopo dos Rel. 15, 16 e 17, bem como uma série de documentos de referência para os temas tratados. O Plano de Trabalho do 3GPP (3GPP Work Plan) indica as respectivas datas estimadas de finalização, embora sujeitas a atrasos em função da pandemia.

Em geral, espera-se que orientações para implementações piloto 5G por parte de fornecedores, OEMs e operadoras móveis passem a estar disponíveis a partir do final de 2023. Implementações comerciais estariam disponíveis não antes de 2025.

O 3GPP Rel.15 define as seguintes categorias de UEs, conforme seu perfil e intensidade de tráfego:

– URLLC, comunicação ultra confiável com baixa latência; mMTC, comunicação para um grande número de dispositivos tipo-máquina; eMBB, comunicação em banda larga e alto throughput. Esperam-se, em URLLC, taxas de transmissão de até 10 Gbps e latências fim a fim de 1 ms. 

À primeira vista, os drones poderiam acessar as redes 5G nas categorias URLLC, o que parece, qualitativamente, ‘o melhor dos mundos’, ou na categoria eMBB, como um celular de banda extremamente larga. A categoria mMTC claramente não é compatível com um perfil de tráfego de comunicações críticas de C2/CNPC, ainda que não totalmente estudado e caracterizado, por destinar-se a conectar um número muito elevado (centenas, milhares) de dispositivos IoT de baixíssimo tráfego. O espectro licenciado e a cobertura geográfica das operadoras deve permitir, sem maiores dificuldades, mas com boa engenharia, a operação BVLOS.

No âmbito internacional, não são ainda identificados fabricantes, operadores e fornecedores OEM com ofertas para a conexão de drones via redes 5G, o que deve começar a acontecer, em alguma escala comercial ao longo dos próximos 2 anos. Operadoras europeias e americanas lideram este movimento. Exemplo no Brasil constitui a TIM, que desde 2019 vem realizando provas de conceito em 5G para a transmissão de imagens de alta resolução produzidas por drones.

Em resposta a questionamento específico, o representante da GSMA no evento LATAM Telco Vision Forum, em 16-17 de março, afirmou estarem as operadoras que adquiriram espectro 5G focadas em desenvolver e expandir aplicações de alto tráfego, simplicidade e alto poder de geração de receitas e valor agregado, com o objetivo de amortizar seus elevados investimentos. Serviços verticais, complexos, ainda pouco conhecidos e de pequena escala, como os aplicáveis aos drones, principalmente a comunicações críticas confiáveis C2/CNPC, não devem ser esperados em menos de 3 a 5 anos. Neste interim, o foco tem sido nas comunicações não críticas de payloads (câmeras, Lidar, sensores, radares).

Enquanto isso, os mercadores globais de novas tecnologias já anunciam a chegada do 6G para os drones. Como já dizia Confúcio, ‘toda grande caminhada começa com um simples passo’. Temos vários passos diante de nós. E o primeiro deles seria, certamente, explorar o LTE 4G, seus diferenciais e limitações.

Em tempo: Abaixo, a Queen Bee, De Havilland DH-82B, primeira aeronave militar sem piloto/RC produzida em série, de madeira, nos UK, em 1935, 400 unid., sucesso como alvo aéreo e variantes. Ao lado, o ‘primeiro’ drone assim batizado, a resposta da US Navy ao Queen Bee, projeto liderado por Lt. Cmdr. Fahrney, sob pedido do Adm. W. H. Standley, CNO, em 1936, o TDD-1, Radioplane/Naval Aircraft Factory/RCA, Northrop Grumman. A partir daí, adotou-se a designação ‘drone’ para todas as aeronaves não tripuladas. Há quem prefira outras explicações, encontradas em quantidade no Google.

* Eduardo Vasconcellos é Membro da VFS, Vertical Flight Society, da ATCA, Air Traffic Control Association e do INCOSE, International Council on Systems Engineering.

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