Opinião

Para decidir: quatro ou três operadoras de celular?

Observando a genial partitura da 5ª Sinfonia de Beethoven para ouvintes iniciantes de música clássica, com tema principal em quatro notas (tam…, tam…, tam…, taaaam…), busco organizar o pensamento, não de uma sinfonia, mas do que ocorrerá no mercado de telefonia móvel do Brasil. E aí, vem a questão: serão quatro ou três operadoras de celular?

Com o termo de Aditamento ao Processo de Recuperação Judicial (PRJ) da Oi (proposto em junho), aprovado com expressiva maioria na Assembleia Geral de Credores (AGC), em sessão virtual (8 de setembro), a envolver as Unidades Produtivas Isoladas (UPI), que passam pelos ativos de torres, data center, TV paga e parte da infraestrutura de fibra ótica, foi sinalizada uma possível solução para a telefonia móvel (UPI Ativos Móveis).

A forma pretendida no Aditamento busca alienar 100% dos ativos empregados pela companhia na exploração de serviços móveis no país (rede ativa, espectro e clientes) pelo valor mínimo de R$ 15 bilhões, passível de ser corregido. Pois bem, interessadas na aquisição; Vivo, Claro e TIM, as três, juntas; apresentaram (18 de julho) uma proposta para adquirir a Oi Móvel. Surpreendendo o mercado, surgiu a proposta da Highline (empresa que tem na sua retaguarda o fundo Digital Colony) que ganhou a condição de negociar o ativo (22 de junho).

Deu-se então outro lance (27 de junho), quando as três operadoras refizeram a proposta original, ao ofertar R$ 16,5 bilhões pelo negócio. A proposta revista (7 de agosto) permitiu um acordo de exclusividade com as operadoras para a compra da Oi Móvel. A proposta vinculante de R$ 16,5 bilhões feita pelas três operadoras, na condição de stalking horse (conceito norte americano, não usual no mercado brasileiro) é preferencial, mas, como diz o promotor da 1ª Promotoria de Justiça de Massas Falidas do Rio de Janeiro, não significa que já esteja encerrada a disputa pela Oi Móvel. Dependerá do edital de venda a ser feito, que chamará outros possíveis interessados, cujas propostas poderão ser cobertas pelo stalking horse, que terá a última palavra na disputa.

Contudo, há que se observar o contexto econômico e a permanente inovação tecnológica, que fazem do setor, cada vez mais, dependente de capital. Então, a pretensa aquisição dos ativos móveis da Oi terá que garantir o desenvolvimento da telefonia móvel no País, com qualidade, modernidade e continuidade do serviço prestado. Evidente que podem ocorrer sinergias mediante integração de infraestrutura, uso de espectro, capacidade de investimento e inovação tecnológica, a depender do edital de venda a ser lançado pela Oi.


A consolidação do mercado de telefonia móvel pode ser referenciada nas 10 maiores economias do mundo. Vejam os países (Relatório Perspectiva Econômica Mundial, FMI, 2019) e operadoras: EUA, três (Verizon, AT&T e a junção T-Mobile com Sprint); China, três (China Mobile, China Telecom e China Unicom); Japão, três (NTT DoCoMo, KDDI e Softbank); Alemanha, três (T-Mobile, Vodafone e O2); Índia, quatro (Bharti Airtel, Vodafone Idea, Reliance Jio e BSNL); Reino Unido, quatro (EE, Vodafone, O2 e 3); França, quatro (Orange, SFR, Bouygues Telecom e Free); Itália, três (Tim, Vodafone e a junção da 3 com Wind); Brasil, quatro (Vivo, Claro, Tim e Oi); e Canadá, três (Bell, Rogers e Telus). Nesses 10 países, em seis deles atuam três operadoras.

Adicionalmente, vejam o contexto em outros 13 países, como: Indonésia, cinco operadoras (Telkomsel, Smartfren, XL Axiata, IM3 Ooredoo e 3); Rússia, quatro (MTS, Megafon, Beeline e Tele2); Suécia, quatro (Telia, Tele2, Eltel e Telenor); Espanha, três (Movistar, Vodafone e Orange); Portugal, três (MEO, NOS e Vodafone); Holanda, três (KPN, Vodafone e T-Mobile); Finlândia, três (Elisa, Telia e DNA); Austrália, três (Telstra, Optus e Vodafone); México, três (Telcel, Movistar e AT&T); Argentina, três (Movistar, Claro e Personal); Chile, quatro(Entel, WON, Movistar e Claro); Uruguai, três (Ancel, Movistar e Claro); e Colômbia, três (Claro, Movistar e Tigo). Nesses 13 países, em 9 deles atuam três operadoras.

Pelo que se observa; junto com Índia, Reino Unido, França, Rússia, Suécia e Chile; o Brasil ainda é um dos países em que são quatro as operadoras a explorar telefonia celular com rede própria a nível nacional. Tanto que, ao final do primeiro semestre de 2020, o Brasil totalizou 225 milhões de celulares, com market share de 33,0% (Vivo); 25,9% (Claro); 23,3% (Tim) e 16,3% (Oi). Nos países mencionados; visitando as Américas, Europa, Ásia e Oceania; o serviço móvel é largamente explorado por três operadoras com redes próprias a nível nacional, excluídas as empresas regionais, ou com redes virtuais.

A depender de anuência dos órgãos reguladores, se os compradores dos ativos da Oi móvel forem os seus atuais competidores, as licenças terão que ser rateadas de forma que não sejam ultrapassados os limites de uso de frequências permitidos. Cujos totais de espectro de frequências alocados, são de 177 MHz (Claro); 155 MHz (Vivo); 117 MHz (Tim) e 92 MHz (Oi). Como há limites (spectrum cap), ocorreria uma divisão de modo a otimizar o mapa regulatório de uso de espectro. Quanto aos 38 milhões de clientes da Oi Móvel (16 % do mercado), haveria uma divisão capaz de equilibrar o mapa concorrencial entre os competidores.

Como a Oi S.A. continua no curso de um Processo de Recuperação Judicial, com o Aditamento ao Processo de Recuperação Judicial aprovado na Assembleia Geral de Credores, haverá ainda o trabalho a ser feito na 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, a preceder Anatel e Cade, de modo a adequar-se aos ambientes jurídico, econômico-financeiro, tecnológico, societário, regulatório e concorrencial.

O mercado de telecomunicações por ser dinâmico, em função da constante inovação tecnológica e demanda por serviços modernizados, é dependente de investimentos intensos. Então, os interessados na compra da Oi Móvel precisam de solidez financeira e vontade empresarial de inversões, para que o setor continue competitivo. Lembrar que esse mercado, a nível nacional, já foi explorado por somente uma operadora (Sistema Telebras, de 1991 a 1997), por duas operadoras (após o leilão da banda B, em 1997), depois por até cinco e, no momento, por quatro operadoras. Quantas continuarão a explorar a telefonia celular no país, quatro ou três operadoras?

Por outro lado, mas no contexto, a venda da Oi Móvel, e demais ativos, poderá viabilizar o que restaria da Oi S.A., especialmente da concessão de telefonia fixa. Lembrar que a companhia pediu recuperação judicial em 2016 com uma dívida, à época, de R$ 65 bilhões, cujo valor; por meio de descontos, parcelamentos de longo prazo e conversão de créditos em ações; vem sendo reduzido ao longo de uma delicadíssima operação. Em junho, no balanço financeiro, a Oi reportou uma dívida de R$ 42,1 bilhões, com valor justo de R$ 26,2 bilhões. A alienação dos cinco ativos; conforme proposta no Aditamento ao PFJ, aprovada na AGC; busca levantar mais de R$ 22,8 bilhões.

Mas, atenção, esse tema não é para ouvintes iniciantes de música clássica (ops: onde se lê “música clássica”, leia-se “mercado”).

(*) O autor é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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