Opinião

Parar o relógio da Inteligência Artificial afastaria o dia do Juízo Final?

Em todas as nações cresce a preocupação com relação ao avanço da Inteligência Artificial (IA). O temor e a controvérsia fervem no mundo digital. O que fazer? Parar o relógio da IA afastaria o Dia do Juízo Final? Nesse contexto, caberia citar que “Os homens não devem brincar de Deus antes de aprenderem a ser homens.” (Paul Ramsey, educador americano, no livro: “Homem fabricado: A ética do controle genético”).

Do mesmo modo como entre 2010 e 2020 (durante pesquisas científicas sobre inovações biológicas disruptivas) foram feitos pedidos por uma moratória na edição de linha germinativa e o futuro da espécie humana; agora, em 2023, pesquisadores, especialistas e executivos endossam uma carta aberta, pela qual convidam empresas a pausar o desenvolvimento de IA pelo período de seis meses. Pedem essa pausa nas pesquisas em IA generativa com o argumento de que a tecnologia poderia gerar consequências negativas.

Desde os primórdios da IA, pesquisadores buscam criar máquinas capazes de aprender e evoluir de modo independente. Com o surgimento de agentes autônomos, com o AutoGPT nos aproximamos da concretização dessa busca. Desenvolvido pelo escocês Toran Bruce Richards, o AutoGPT é um projeto de código aberto baseado em modelos de aprendizado profundo, que permite executar e administrar várias tarefas de forma autônoma. De modo diferente do Chat GPT, que necessita de interação do usuário, o AutoGPT operaria sem a necessidade de intervenção humana para dar continuidade às tarefas.

A moratória de seis meses seria para avaliar as consequências éticas do uso da IA e o amadurecimento de uma discussão sobre a sua regulação. Seis meses seria o tempo ideal para acompanhar a evolução da tecnologia? Não sei! No Brasil há um projeto de lei que surgiu antes do ChatGPT. Pelo mundo (EUA, Europa, Índia, China etc.) há ações relacionadas ao tema. Enquanto isso, a tecnologia da IA evolui e coloca desafios para a sua regulação.

As preocupações vão desde mudanças radicais na educação e no trabalho, em especial o criativo. Outro ponto abordado é que a IA generativa, com o tempo, não produziria mais material a partir do humano, mas sim da própria tecnologia. Seria o fim de produções intelectuais pelos humanos. Lembrar que as facilidades do “copiar” (Ctrl + C) e “colar” (Ctrl + V) são problemas para mestres, cientistas e editores; nas áreas de educação, pesquisa, jornalismo, literatura etc.


O que está em jogo? Seria errado fazer diferente? Ou seria errado não fazer? Sabemos que toda tecnologia pode ser usada tanto para o bem como para o mal, mas os inovadores em tecnologia têm a condição de promover usos positivos e éticos em seus desenvolvimentos. Não dá para brincar com o que é divino. Se podemos fazer tais coisas com ética, segurança e controle para tornar a sociedade menos suscetível a todos os males, façamos. Contudo, ao serem feitas, na melhor das hipóteses, não seria prematuro e, na pior, abominável?

Embora o AutoGPT possua inúmeras habilidades, como gerenciar tarefas autonomamente e produzir textos em múltiplos contextos, ainda não atingiu o nível de Inteligência Geral Artificial (AGI). Isso porque falta ao AutoGPT conhecimento explícito e compreensão abrangente do mundo, além de não ser capaz de adaptar-se a tarefas inéditas ou distintas. A AGI é um conceito ainda teórico de IA, capaz de realizar qualquer tarefa intelectual que um ser humano possa executar, a permitir que as máquinas compreendam e raciocinem sobre o mundo de maneira abrangente e adaptável.

Para promover uma transformação não linear é prudente observar o dilema do “continuum”. Pois, no mundo dos negócios há especialistas em ética que são bons em dispor distinções e há aqueles que são bons em desconstruir distinções. A propósito, o que pensam os desenvolvedores quanto ao controle da IA generativa? Se pensam, que reconheçam seus limites, sem torná-los perturbadoramente obscuros. Toda engenhosidade sem ética é perigosa.

Nas divisões políticas atuais, estão aqueles que buscam maximizar a liberdade individual, minimizar regulações e impostos, e manter o Estado fora de nossas vidas o máximo possível. Há também aqueles que desejam promover o bem comum, criar benefícios para toda a sociedade, minimizar danos que um mercado desimpedido e livre possa fazer ao nosso ambiente, a restringir comportamentos egoístas que possam prejudicar as comunidades e o planeta.

A capacidade do ser humano de tomada de decisão com livre arbítrio também se torna, potencialmente, comprometida. Esse é um dos temas principais destacados pelo professor israelense Yuval Harari (autor do livro Sapiens e um dos signatários da carta da moratória). Se apreciarmos sob o ponto de vista da capacidade do ser humano (o que Harari ressalta), a IA tende a, no mínimo, apresentar uma redução do “modus pensandi” do ser humano.

Em 28/03/2023, “O Estado de S. Paulo” publicou o artigo “O domínio da inteligência artificial sobre a linguagem é uma ameaça à civilização”, de Yuval Harari, Tristan Harris e Aza Raskin, que sublinharam “A corrida pelo domínio do mercado não deveria determinar a velocidade do acionamento da tecnologia mais consequencial da humanidade. Nós devemos nos mover a qualquer velocidade que nos possibilite fazer isso direito”.

Sistemas de IA com inteligência competitiva com a humana podem trazer riscos à sociedade e à humanidade, como mostrado por pesquisas e reconhecido por importantes laboratórios de IA. Uma IA avançada poderia representar uma profunda mudança na história da vida na Terra, e deveria ser planejada e gerida por desenvolvedores, empresas, governos e cidadãos com os necessários cuidados.

Os sistemas de IA, de um modo geral, estão a se tornar competitivos com os humanos. Deveríamos permitir que máquinas entulhem nossos canais de informação com propaganda e notícias falsas? Deveríamos automatizar todos os trabalhos? Deveríamos desenvolver mentes não-humanas que nos superariam em número e em inteligência, a nos tornar obsoletos e dispensáveis? Felizmente há um movimento global, com a atuação de cientistas e políticos, não para estancá-la, mas para encontrar uma forma de ética global.

O avanço da IA é uma questão delicada a enfrentar. Trata-se de um tema moral a envolver as maravilhosas, misteriosas e interligadas forças do ser humano e da natureza. Pelo qual, caberia citar que “A vida é uma misteriosa trama de acaso, destino e caráter.” (Wilhelm Dilthey, filósofo alemão, no livro: “A construção do mundo histórico nas ciências humanas”). Por fim, afirmo que não há como parar o relógio da IA. A ciência não retrocede, portanto, não há como esquecer esse conhecimento. Assim, há que se encontrar um caminho prudente, equilibrado e controlado para tratar do tema Inteligência Artificial.

*O autor é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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