Opinião

Planejamento urbano e a transformação digital

Em 1488, quando Leonardo Da Vinci iniciou a sua série de esboços que resultaria na obra ‘Cidade Ideal’, não imaginava o legado que deixaria, a respeito da relevância de se buscar um planejamento urbano adequado para resolver problemas estruturais e mitigar os impactos sofridos por quem vive nas grandes cidades.  Seus sketches carregavam conceitos absolutamente modernos do ponto de vista do planejamento e que formam, quase meio milênio depois, o tripé essencial para suportar a transformação positiva e necessária das áreas urbanas do planeta no século 21: tecnologia, sustentabilidade e participação da sociedade.

Em boa parte das cidades do mundo, a tecnologia já se faz presente no dia a dia dos seus moradores. Sensores monitoram a movimentação de pessoas, radares inteligentes controlam o trânsito, satélites meteorológicos previnem sobre o clima, drones mapeiam obras, muralhas digitais protegem o perímetro e plataformas de gestão de dados permitem visualizar o impacto de uma política pública na população.

Com recursos tecnológicos cada vez mais avançados, nunca antes na história das cidades os gestores públicos tiveram à disposição tantas informações e ferramentas para agirem com total assertividade em suas tomadas de decisão. O resultado é um ganho exponencial na qualidade de vida dos cidadãos destas localidades, que passaram a desfrutar de espaços públicos mais amigáveis, de mais modais alternativos de transporte, de maior segurança com sistemas de vigilância integrados, de menor impacto ambiental.

Com estes novos recursos, é possível projetar melhorias no sistema de transporte público, tornando-o mais resiliente e capaz de suportar o aumento de demanda ou sua diminuição como foi o caso durante a pandemia de 2020.  A utilização de dados permite ao gestor público definir a localização do próximo corredor de ônibus que será implementado, além de contabilizar quantas pessoas serão atingidas cotidianamente. As novas soluções tecnológicas possibilitam aprimorar o consumo de energia e recursos naturais, em alinhamento com as preocupações climáticas; qualificar a ocupação do solo, criando zonas mistas (residenciais e comerciais) que atendam ao conceito de “cidades de 15 minutos”, como o projeto da prefeitura de Paris que está sendo pensado, aproximando os cidadãos de suas necessidades básicas de moradia, trabalho e lazer, evitando, assim, o deslocamento em massa de pessoas das periferias para o centro.

Portanto, a qualidade e a quantidade dos dados coletados e a forma como eles são processados, analisados e comunicados pelos agentes públicos são fundamentais para a geração dos insights que permitirão a implantação bem-sucedida das mudanças desejadas. Essa visão contribui ainda com a criação de bancos de dados públicos, com informações abertas a todas as pessoas interessadas em conhecer a performance da cidade em diferentes setores.


Aqui vale destacar também a importância da comunicação no processo de empoderamento do cidadão. Existe todo um ecossistema que mantem os moradores a par do que acontece ao seu redor e uma diversidade incrível de práticas incentivando a participação das pessoas em diversos países do mundo: portais para a população lançar e-petições na Inglaterra, França e Noruega, por exemplo. Para tanto, investimentos em comunicação digital e educação são essenciais.

A agenda sustentável também deve estar presente na elaboração do planejamento urbano moderno. Isso se refere, sobretudo, a questões relacionadas ao meio ambiente, como o controle efetivo da poluição, o aumento dos espaços vegetalizados e jardins nos espaços urbanos, a gestão dos resíduos, a garantia do fornecimento de água, a produção de energia alternativa e limpa, a ocupação planejada do solo, o apoio à arquitetura sustentável e a existência de políticas públicas que considerem as mudanças climáticas no seu processo de criação.

Em todas estas abordagens, a presença da tecnologia volta a ser fundamental – a partir da integração de tecnologias como IoT, inteligência artificial, drones, satélites e edge computing. Antecipar catástrofes naturais geradas pelo aquecimento global também faz parte do novo planejamento das cidades.

Cidades inteligentes, mais do que uma tendência, são uma necessidade. Policêntricas, humanizadas, organizadas, seguras e eficientes, com serviços diferenciados como e-learning, e-business, atendimento de saúde pública virtual e outros que respondam prontamente aos anseios do nosso tempo e as necessidades de seus moradores. Válido também pensar em um futuro com cidades – por quê não? – urbanisticamente mais belas, onde vivenciá-las seja motivo de prazer, não de pesar. Como propôs Da Vinci.

Aurelie dos Santos é gerente de projetos Smart Cities da Green4T

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