Privacidade e Proteção de Dados Pessoais: diferentes e complementares
A discussão sobre o reconhecimento do direito à proteção de dados pessoais como um direito constitucional autônomo aconteceu no Congresso Nacional e foi aprovado, e isso não só evidencia a importância da temática para todos os cidadãos brasileiros, como também reforça que há relevante diferença entre direito à privacidade e direito à proteção de dados pessoais que precisa ser considerada.
Desde que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD passou a valer no Brasil, em setembro do ano passado, muito se fala sobre dados pessoais e privacidade, em especial no ambiente digital, contudo alguns termos como “privacidade de dados” tendem a confundir a sociedade que em muitas vezes tende a não se importar com o tema por considerar que não existe mais privacidade, pois todos os seus dados já foram expostos em vazamentos noticiados pela mídia.
E pior, por entenderem que não sofreram impactos consideráveis, pensam que está tudo bem. O Brasil está em atraso na conscientização de sua sociedade, se comparar com outros países, tanto no contexto de pessoas físicas quanto jurídicas, quando o assunto é privacidade e proteção de dados pessoais, o que traz muitos prejuízos para o desenvolvimento tecnológico e exercício efetivo da democracia.
O conhecimento sobre o tema fora da bolha jurídica é urgente. Pode ser equivocado e tendencioso o termo “privacidade de dados”, pois faz com que as pessoas entendam que os seus dados pessoais precisam ser mantidos em sigilo e não é esse o objetivo da LGPD e das discussões em torno destes temas.
Temos que partir dos seguintes pontos: ao falarmos em privacidade, estamos em um contexto em que as pessoas têm o direito de terem uma vida íntima sem que sejam expostas de forma arbitrária, e podem viver suas vidas sem intervenções ilegais do Governo ou empresas. E ao falarmos em proteção de dados pessoais, temos como foco que os cidadãos não deixem de fornecer seus dados, mas sim que eles saibam por onde estes dados estão circulando e que sejam utilizados para atividades específicas e que não os prejudiquem direta ou indiretamente.
Um tema está vinculado ao outro, a ponto de termos a proteção de dados pessoais como um braço da privacidade, tanto que as vezes se confundem, pelo fato de que lá atrás quando falávamos em garantia do direito à privacidade havia a relação direta com o “direito de estar/ser deixado só”, termo famoso e histórico.
Entretanto, se dermos um grande pulo para os dias atuais, poucos são os que realmente querem ser deixados a sós, todos fazem questão de terem suas vidas acompanhadas por terceiros virtualmente. Mas, não é porque uma pessoa posta suas fotos em uma rede social que ela renunciou a sua privacidade.
E dentre os desdobramentos que o direito a privacidade teve, em razão do avanço das novas tecnológicas aplicadas à sociedade, verificou-se que a exposição de dados pessoais que refletem a vida íntima dos seres humanos aumentou consideravelmente e por não ter um certo limite de acesso a partir de um momento em que há uma informação da Internet, as empresas e o Governo descobriram que além de utilizarem os dados pessoais para prestar serviços, oferecer produtos e desenvolver políticas necessárias e requisitadas, poderiam aplicar aquela imensidão de dados em diversos cenários.
E em uma análise profunda isto pode fazer com que nossa personalidade se desenvolva de forma diferente ou tenhamos um poder de escolha totalmente limitado. É claro que esta utilização que os terceiros aplicam sobre nossos dados pessoais nos traz inúmeros benefícios e confortos também, contudo o direito a proteção de dados pessoais tomou forma, impulsionado pelo direito à privacidade, com a seguinte mensagem: os dados pessoais pertencem aos cidadãos! Eles podem ser utilizados por terceiros, mas não de forma ilimitada e para utilizá-los, seja para qualquer atividade, precisa-se considerar o que dispõem as legislações específicas para que o tratamento de dados pessoais não seja prejudicial aos seus titulares.
Portanto, podemos entender também numa perspectiva de correlação entre privacidade e proteção de dados pessoais que na necessidade ou vontade de se conceder seus dados pessoais, os terceiros que o utilizem não podem colocá-los à exposição ou compartilhá-los da forma que bem entendem, justamente para que seja respeitado o direito à privacidade que não é absoluto, mas é fundamental, e ainda haja o respeito à autodeterminação informativa.
Sendo assim, todo e qualquer cidadão brasileiro deve buscar os entendimentos sobre o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais e minimamente compreender como garanti-los em distintas perspectivas, visto que eles circulam sobre nossas vidas desde o momento que acordamos, até a hora que vamos dormir, e durante toda nossa vida.
karolyne Utomi e Eizani Rigopoulos são advogadas da KR Advogados, especializado em LGPD e Direito Digital