Programas sociais são obrigação para os satélites da Starlink e Swarm
O aval concedido na semana passada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a Starlink, do fundador da SpaceX, Elon Musk, e sua concorrente Swarm operarem satélites de baixa órbita no Brasil foi uma iniciativa que transformou aquilo que parecia ser apenas um balão de ensaio numa oportunidade de destravar uma série de programas sociais baseados em conexão de internet pelas regiões mais necessitadas do país.
Historicamente, a comunicação via satélite apresenta um custo superior ao custo de uma conexão terrestre. Isto se deve ao alto investimento para se desenvolver e lançar um satélite, sendo que os satélites têm uma capacidade de transmissão definida no seu desenho, e as empresas proprietárias buscam remunerar seu investimento vendendo esta capacidade.
Nos últimos anos, no entanto, o desenvolvimento de novas tecnologias vem aumentado a capacidade de transmissão dos satélites, consequentemente reduzindo drasticamente a diferença de custo comparado com serviços terrestres. Hoje, já temos os satélites de alta capacidade (HTS – High Throughput Satellites) que conseguem conectar em altas velocidades e com preços bastante interessantes. Os satélites de baixa órbita prometem fechar este gap e equiparar velocidades e custos aos serviços terrestres.
As grandes vantagens dos satélites de baixa órbita (LEO) são a baixa latência e a alta capacidade que eles podem entregar. Estes satélites vão orbitar a terra numa altitude entre 500 e 2.000 quilômetros e possibilitam utilizar dispositivos menores e mais baratos, o que também vai simplificar e facilitar as instalação dos equipamentos em terra.
A Starlink e a OneWeb são apenas as frotas mais populares, mas há diversas outras frotas de LEOs sendo lançadas para operação em algum nicho de mercado. Com isso, o volume de novos terminais produzidos nos próximos anos deve crescer em altas taxas, e a produção deverá ser grande o suficiente para reduzir o custo das antenas, que hoje são o principal ofensor do custo dos equipamentos de terra. Esta redução deve demorar poucos anos para acontecer e poder massificar o uso deste serviço.
Mas se a iniciativa privada ainda pode esperar um pouco para usufruir destes benefícios, o mesmo não se pode dizer a respeito das esferas governamentais. Diversos países têm programas de inclusão social, como o GESAC no Brasil, o Proyecto Nacional de Acceso Universal Zonas Urbanas do MinTIC da Colômbia, o Programa de Educación Básica para Todos MinEdu, o Pronatel Conecta Selva também no Peru, que majoritariamente utilizam satélites geoestacionários para entregar Internet em localidades remotas, mas a banda entregue atualmente tem limitações importantes.
Ter Internet de boa qualidade é fundamental para que as comunidades remotas realmente possam participar do mundo digital, tanto para uso pessoal, como aprendizagem e consumo, quanto para uso comercial, podendo vender seus produtos e serviços através da Internet. Os governos têm agora a condição de acelerar projetos capazes de oferecer os mesmos níveis de oportunidades para cidadãos de todas as áreas independentemente de morarem em regiões remotas ou em grandes centros. As soluções de LEO podem ser a peça que falta para fechar esta brecha, entregando alta capacidade de Internet com um custo acessível em qualquer localidade.
Pelo lado corporativo o que vamos ver é a utilização do LEO ganhar espaço em aplicações e localidades que hoje não se considera o uso de satélites. Na prática, o satélite pode ser usado como um link de comunicação único em localidades em que as soluções terrestres sejam precárias, ou combinado com enlaces terrestres para garantir alta disponibilidade, flexibilidade e escalabilidade de rede ao permitir aumento da largura de banda larga para novas aplicações.
Nestes próximos anos vamos ver cada vez mais frotas de satélites de baixa órbita sendo lançados e entrando em operação. Por isso, o papel da Anatel é fundamental para que se mantenha a competividade e isonomia entre as diversas soluções. O desafio agora reside no fato de que a tecnologia dos satélites de baixa órbita é muito recente e inovadora, além de apresentar características e recursos diferentes dos satélites tradicionais. Para frotas do porte da Starlink, a Anatel precisa analisar critérios e condições para permitir a coexistência harmoniosa de outras frotas de satélite que venham a se estabelecer e operar no Brasil no futuro.
Em sendo o primeiro processo de análise de frotas deste porte, é natural que seja mais lento, pois parte desta análise está sendo feita pela primeira vez. A boa notícia é que a licença de operação da Starlink, por exemplo,é válida até 2027, período em que será novamente avaliada. Este prazo mais curto permitirá à Anatel revisar pontos que não tenham sido considerados nesta análise.
Enquanto isso, a largada está dada. A partir de agora a imaginação é o limite tanto para o governo federal quanto para governos estaduais e municipais criarem suas estratégias para educação, saúde, fiscalização ambiental e tantas outras áreas que podem ser mais bem assistidas com a oferta da internet.
*Marcelo Leite é Diretor de Estratégia e Portfólio na Sencinet