Split Payment: a virada tributária já começou
O Split Payment representa mais do que uma obrigação fiscal. Ele simboliza um marco de modernização que automatiza o recolhimento, reduz litígios e garante segurança jurídica

Por Taís Baruchi*
Com a aprovação da Reforma Tributária, por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023 e da Lei Complementar nº 214/2025, o Brasil inicia a implantação de um novo sistema de tributação sobre o consumo, baseado no modelo do IVA dual: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), administrado por estados e municípios. Nesse cenário, o Split Payment — também conhecido como pagamento fracionado — surge como um dos instrumentos mais inovadores e estruturantes da reforma, exigindo uma nova postura tecnológica e fiscal por parte das empresas.
Ao contrário do modelo atual, em que a empresa recebe o valor total da venda e repassa os tributos posteriormente, o Split Payment determina que, no momento da liquidação financeira da operação, o sistema, integrado à nota fiscal eletrônica e aos meios de pagamento, separe, automaticamente, o valor correspondente ao tributo e o transfira diretamente ao Fisco. O valor líquido, já descontado o imposto, é repassado ao fornecedor. Essa mudança elimina o risco de inadimplência tributária, reduz fraudes e garante maior segurança jurídica para as operações de venda de bens e serviços.
Mais do que uma nova forma de pagamento, o Split Payment é reconhecido legalmente como mecanismo de extinção do débito tributário de IBS e CBS, conforme o artigo 27 da LC 214/2025. Na prática, ele substitui a necessidade de guias ou controle manual, encerrando a obrigação fiscal no exato momento da operação. Esse mecanismo também está diretamente ligado ao direito de apropriação de créditos tributários: o crédito só nasce quando o débito for efetivamente recolhido, ou seja, a empresa só poderá se creditar do IBS ou da CBS quando o valor for segregado e transferido ao Fisco.
Ele garante esse vínculo direto entre pagamento e creditamento, eliminando incertezas comuns no modelo atual. Isso porque, no modelo da não cumulatividade plena, o crédito passa a ser até mais relevante do que o débito, pois assegura a neutralidade fiscal e evita o acúmulo de imposto ao longo da cadeia produtiva, distorcendo preços e afetando a competitividade.
Para que tudo isso funcione, será necessário revisar processos internos e, especialmente, os sistemas de gestão (ERPs). Eles deverão estar aptos a emitir documentos fiscais nos novos layouts e integrar-se com plataformas de pagamento autorizadas, como cartões e boletos, garantindo a separação do valor do tributo em tempo real. O uso do PIX ainda está em estudo para futuras fases de implementação.
Essa comunicação será feita por meio de instituições de pagamento autorizadas, como adquirentes, subadquirentes e demais intermediários financeiros. No novo modelo, esses operadores passam a cumprir também a função de segregar e recolher os tributos, exigindo que os sistemas empresariais estejam preparados para uma lógica fiscal automatizada, segura e conectada ao Fisco.
Outro ponto importante será o impacto no fluxo de caixa. Como os tributos não transitarão mais pelas contas da empresa, será necessário replanejar o capital de giro. A previsibilidade financeira aumenta, mas a flexibilidade sobre os recursos diminui. Empresas que utilizam valores de tributos temporariamente como parte da liquidez precisarão adaptar sua lógica de gestão financeira.
Embora a legislação preveja que valores pagos a maior sejam restituídos em até três dias úteis, esse prazo só se aplica após a homologação do crédito pela administração tributária. O processo tem início com a apuração e envio da declaração por parte do contribuinte. Em situações simples, a homologação poderá ser automática; em casos mais complexos, pode exigir análise manual. Caso o Fisco não se manifeste dentro de 180 dias, a devolução do valor deverá ocorrer em até 15 dias corridos.
A boa notícia é que a infraestrutura pública já está avançada para suportar esse novo modelo. O Serpro declarou que o sistema da CBS com Split Payment está pronto e, a partir de julho de 2025, um grupo inicial de 500 empresas será integrado em ambiente de testes, com foco em operações B2B. A Receita Federal e o Comitê Gestor do IBS atuam em conjunto com o Banco Central e os operadores financeiros para garantir estabilidade, rastreabilidade e interoperabilidade dos dados em tempo real.
O Split Payment representa mais do que uma obrigação fiscal. Ele simboliza um marco de modernização que automatiza o recolhimento, reduz litígios, garante segurança jurídica e exige que o setor privado acompanhe o ritmo da transformação pública. As empresas que se anteciparem estarão em vantagem. Aquelas que esperarem correm o risco de perder controle, crédito e competitividade. O tempo da observação acabou. A nova era tributária já começou — e ela exige preparo.
Taís Baruchi é CEO e sócia na ECOVIS® BSP