Sustentabilidade, blockchain e a convergência socioambiental
As práticas ESG estão se tornando um fator decisivo para investimentos.
Por Ricardo Freitas*
A inovação tecnológica tem um papel importantíssimo para impulsionar o desenvolvimento de uma convergência socioambiental urgente e planetária. A sustentabilidade é prioridade global e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) têm na tecnologia a principal ferramenta de propagação, execução e controle desta meta.
O poder econômico, os setores produtivos e os governos têm o dever do protagonismo e da liderança na resposta aos objetivos ODS, no entanto, pela grandeza e urgência do tema há a necessidade de envolver toda a sociedade por meio da participação voluntária ou estimulada.
Uma convergência socioambiental sintetiza a necessidade de uma guinada histórica com o desafio de conquistar as consciências sobre a necessidade de modificar as circunstâncias das atividades que concorrem para a degradação da vida e do meio ambiente. Define um esforço evolutivo que envolve mudança de atitude individual, coletiva, dos meios de produção, da distribuição de renda, do bem estar social e hábitos de consumo em benefício de uma visão de sustentabilidade do Planeta. É questão de sobrevivência.
A inovação tecnológica é essencial para conscientizar e mobilizar. Tecnologias digitais como aplicativos, plataformas de educação online e mídias sociais permitem que informações sobre práticas sustentáveis cheguem a milhões de pessoas de forma rápida e eficaz. Além disso, a gamificação pode ser utilizada para transformar a conscientização em uma atividade interativa, fazendo com que as pessoas entendam o impacto de suas ações no meio ambiente de maneira visual e prática, como parte da cultura cotidiana.
Com sensores e plataformas digitais podemos desenvolver soluções simples e acessíveis para que cada pessoa tenha o seu inventário pessoal de emissões de gases de efeito estufa. Aplicativos podem rastrear o consumo de energia em casa, o uso do transporte e até hábitos de consumo, gerando uma estimativa precisa da pegada de carbono individual. Essa interface seria uma maneira poderosa de envolver o cidadão comum na causa da sustentabilidade, dando-lhe informações práticas e personalizadas sobre como suas atividades impactam o planeta, além de oferecer sugestões de como reduzir essas emissões.
Esta ação enquadra-se na tendência da personalização de serviços, com recursos ajustados às necessidades e características individuais de cada cidadão ou família. A personalização é um dos maiores atrativos na era digital e fornecer um inventário que considere os hábitos específicos de consumo e as atividades diárias de uma pessoa ou núcleo familiar reforça esse conceito.
A tecnologia pode viabilizar programas que recompensem os cidadãos por práticas sustentáveis, como a redução de consumo de energia, menor utilização de combustíveis fósseis, ou o correto descarte e reciclagem de lixo. As pessoas poderiam acompanhar seu desempenho e ganhar pontos e benefícios reais como descontos em produtos ou serviços, ou até mesmo cash back, gerando engajamento contínuo. Tecnologias de IoT (Internet das Coisas) e inteligência artificial podem ser integradas em residências, com este objetivo.
A combinação de incentivos individuais e coletivos pode gerar um impacto maior e mais duradouro, promovendo uma verdadeira convergência socioambiental.
Blockchain no setor produtivo
Em cadeias produtivas, aplicar o conceito de blockchain é extremamente valioso, pois permite transparência, rastreabilidade e segurança em todas as etapas dos processos. Essa tecnologia permite verificar a origem dos materiais, assegurar que normas socioambientais sejam seguidas e comprovar o respeito aos direitos humanos e trabalhistas.
No agronegócio, o blockchain pode ser utilizado para rastrear o ciclo de vida de alimentos, certificando práticas agrícolas sustentáveis, a origem dos produtos e a redução de desperdícios. Ao garantir que cada fase da produção seja documentada, o blockchain permite que empresas e consumidores tenham confiança de que suas escolhas estão alinhadas com os ODS, promovendo um consumo mais consciente e sustentável.
A ideia de usar blockchain para rastrear e tokenizar processos sustentáveis pode ser amplamente replicada. No setor de logística, por exemplo, pode ser utilizado para rastrear a pegada de carbono de frotas de transporte e criar créditos de carbono que podem ser negociados. No setor de energia, o uso do blockchain pode viabilizar o rastreamento da geração de energia renovável e criar certificados de energia limpa que podem ser comercializados.
A implementação de energias renováveis, como solar e eólica, já é uma realidade e tecnologias de armazenamento de energia, como baterias de íon-lítio e sistemas de gerenciamento de redes elétricas inteligentes (smart grids) estão transformando a forma como a energia é gerida e distribuída.
A tendência de priorização ESG (Environmental, Social and Governance) é cada vez mais evidente, tanto entre consumidores quanto entre investidores. As práticas ESG estão se tornando um fator decisivo para investimentos. Há uma percepção de que empresas que integram a sustentabilidade em sua estratégia de negócios tendem a ser mais resilientes e têm maior capacidade de crescimento a longo prazo.
Startups que já nascem com práticas ESG têm maior chance de captar investimentos. Além disso, os consumidores estão exercendo pressão crescente sobre as empresas para que adotem práticas mais éticas e sustentáveis. Essa mudança de comportamento está criando uma sinergia natural com setores de investimentos.
Poder Público
A inteligência artificial pode ser grande aliadas na gestão pública, especialmente na análise e deliberação de processos administrativos. Por exemplo, essas tecnologias podem ser integradas em bases cartográficas e de geoprocessamento para atualizar dados em tempo real e incorporar previsões sobre impactos ambientais decorrentes das mudanças no clima. Isso seria extremamente útil para a aprovação de projetos imobiliários, garantindo conformidade com critérios de sustentabilidade e segurança ambiental.
A Autoridade Climática Nacional a ser criada pode aplicar IA para analisar dados em tempo real e fornecer projeções detalhadas sobre impactos em áreas específicas ao longo do tempo. Isso permite que o planejamento urbano e o desenvolvimento no campo levem em consideração fatores como elevação do nível do mar, padrões de chuvas e ondas de calor, garantindo uma expansão que proteja vidas e garanta a segurança de investimentos e patrimônio.
*Ricardo Freitas é especialista em inovação e tecnologia com formação e XBA pela Hebrew University Jerusalém