Opinião

Um caminho para a economia digital

O conceito de “concessão” foi desenvolvido na França. Sob a lei francesa a concessionária tem a obrigação de fornecer a continuidade dos serviços, tratar igualmente todos os consumidores e adaptar o serviço de acordo com a evolução das necessidades deles. Em troca, a concessionária está protegida contra novas concessões que poderiam afetar adversamente seus direitos. Ou seja, trata a existência de um “monopólio natural”, onde apenas um prestador atinge economias de escala. Na outra via, impõe uma regulação de tarifa para proteger o consumidor.

No Brasil tivemos a privatização das telecomunicações em 1998, tanto do serviço de telefonia fixa como da telefonia móvel. A exploração dos serviços no regime público das outorgas do STFC e do SMC, respectivamente, foi transferida para o setor privado através de 12 leilões consecutivos na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. O governo arrecadou US$ 19 bilhões pela venda de 51,79% das ações com direito a voto da Telebrás (correspondendo a 19,26% do capital total da empresa), com ágio de 63% sobre o preço mínimo estipulado, resultando em uma das maiores privatizações do mundo, à época.

Entre 2001 e 2004, a migração do serviço de telefonia móvel para o regime privado representou uma solução infralegal que pavimentou a competição em regime privado, de autorização, para a exploração do serviço de telefonia móvel no Brasil. E conforme o Acórdão 2275/2009 do TCU, tratava-se do “desfazimento da concessão por rescisão amigável, situação em que as partes fazem concessões recíprocas e põem fim ao vínculo original”. No bojo desta decisão, avaliou-se a questão da reversibilidade dos bens usados na exploração dos serviços e concluiu-se que os ativos “eram privados, pois foram incluídos no valor pago por elas à época do leilão de desestatização”.

Decisão análoga a que o próprio TCU proferiu no Acórdão 464/1998, na época da privatização, onde diz que “o valor econômico de um bem pode ser identificado pelo valor presente dos benefícios que ele proporciona ao longo de sua vida útil”. Em ambos os casos, o TCU pacificou o conflito entre o interesse público e o privado no que se refere à proteção do investimento e o princípio da continuidade.

Com a evolução tecnológica e a mudança de comportamento do consumidor no que se refere a serviços de telecomunicações, os dados substituem a voz e o móvel tornou o fixo um acessório decadente. Vale lembrar que a telefonia fixa subsidiou a móvel (tarifas de interconexão) por muitos anos. O que temos hoje são concessionárias insustentáveis, com uma assimetria regulatória em relação às empresas que exploraram o mesmo serviço em regime privado e um desequilíbrio financeiro em virtude de políticas públicas desatualizadas.


Das 50 maiores economias mundiais, apenas três ainda utilizam o modelo de concessão em telecomunicações: Peru, Turquia e Brasil. Continuamos presos ao passado e não viramos a página. Todos os anos canalizamos centenas de milhões de reais para orelhões e telefonia fixa em geral. As concessionárias carregam o peso do PGMU1 numa camisa de força constatada, mesmo que parcialmente, pelo MCTIC e ANATEL através do relatório publicado após a Consulta Pública n.º 23/2015, dentre outros estudos e relatórios produzidos mais recentemente.

O desafio atual é como dosar a combinação entre estímulo a competição e regulação. A regulação inclui processos que garantam o acesso a terceiros no caso de ‘facilities’ que tenham características de monopólio natural, a criação de condições para a promoção de competição quando esta for viável, e um arcabouço regulatório que promova investimentos e ao mesmo tempo proteja os interesses do consumidor.

O setor de telecom no Brasil registra alta competição em uma modalidade de infraestrutura que exige capital intensivo e produz baixos retornos sobre investimentos. O nível de competição no mercado brasileiro de telecomunicações está em patamar semelhante ao de países como EUA e Reino Unido, pelo indicador que mede concentração de mercado (HHI). Ao mesmo tempo o retorno sobre Capital Empregado (ROCE3) se deteriorou nos últimos 5 anos na indústria de telecom. E o baixo retorno é um fator que desencoraja novos investimentos, associado à questão da insegurança jurídica no entorno do tema da reversibilidade dos ativos ao fim da concessão, colocando as redes multisserviço ao alcance da reversão.

Há um claro esgotamento da trajetória recente de expansão de investimentos no setor, em virtude da retração do mercado consumidor (reflexo da crise econômica), queda da rentabilidade e da capacidade de investimento, excessiva carga de tributos e encargos, além da ausência de uma regulação responsiva. Sobre esta última, pode-se promover mudanças estruturais fazendo-se uso de uma agenda positiva de evolução regulatória, como fizeram outros países.

O setor e o regulador já dispõem de insumos para convergir numa atualização da regulamentação, desregulando e tornando-a o mais ex-post onde for possível. E existem outras iniciativas em curso que podem abrir um novo ciclo virtuoso nas telecomunicações brasileiras, atendendo o interesse público e as necessidades da sociedade em geral – o PLC 79, o PGMU IV e o Decreto de Políticas Públicas de Telecomunicações. São ações estruturais que destravam investimentos e redirecionam as prioridades para banda larga e infraestrutura de suporte e acesso à internet.

Os resultados deste aumento de conectividade serão percebidos na economia como um todo, com impactos no desenvolvimento educacional (e reflexos no próprio IDH – Índice de Desenvolvimento Humano), na geração de riqueza (PIB per capita), com mais inclusão digital e atendendo a evolução das demandas sociais. O mundo está vivendo a 4ª Revolução Industrial e as plataformas digitais estão reinventando os modelos de negócios de múltiplos segmentos da economia. Este é o ecossistema da Economia Digital, que galopa de forma acelerada no mundo, e a infraestrutura de telecom é o alicerce para sustentar tecnologias vindouras, como a Internet das Coisas, o 5G, o Big Data Analytics, a inteligência artificial e a segurança e robustez dos sistemas de informação.

O desafio brasileiro é obter maior produtividade e competitividade. O setor de telecomunicações possibilita ao Brasil obter os ganhos necessários de produtividade para contribuir na retomada do crescimento de forma duradoura e sustentável. As telecomunicações são um pilar essencial para evitar nosso descompasso em relação a um mundo de constantes transformações tecnológicas e impulsionar a Economia Digital, garantindo o desenvolvimento econômico e social do país no século 21. Este é o futuro!

*Eduardo Tude é presidente da consultoria Teleco

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