Opinião

Uma abjeta desigualdade digital e social

Antes de abordar o tema cabe lembrar o significado do adjetivo “abjeta”. Segundo os dicionários, abjeta (adj.s.f.) quer dizer: desprezível, vergonhosa, vil, indigna, ignóbil, infame, reles, torpe, execrável, odiosa, abominável, repugnante, repulsiva, […]. Nos parágrafos a seguir não faltarão motivos para que esses sinônimos sejam inseridos.

A inovação; científica, política, econômica, cultural, tecnológica ou social; [para que não seja abominável] precisa resgatar seu objetivo original (que remonta à época do filósofo Aristóteles), qual seja: proporcionar impacto social positivo e compartilhado por todos. Indo, portanto, do “a“ ao “z” do nosso alfabeto, ou do “α” (alfa) ao “ω” (ômega) do alfabeto grego, sem pular qualquer de suas letras. Porém, com diretrizes públicas setoriais dispostas em políticas pareadas ao sentido clássico da arte de governar: feitas com todos e para todos os cidadãos.

No livro “Why Nations Fail”, traduzido para “Porque as nações fracassam” (2012, Elsevier Editora), os professores Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Harvard) respondem à pergunta que há séculos cruza a rota dos estudiosos: por que algumas nações são ricas e outras são pobres, divididas por riqueza e pobreza, saúde e doença, comida e fome? Seria a cultura, o clima, a geografia? A ignorância com relação às políticas certas? Não. Nenhum desses fatores é definitivo, nem implica predeterminação. Os autores demonstram que são as instituições políticas e econômicas (ou suas ausências) que garantem (ou não) o êxito econômico.

Estudo recente (lançado em 7/12/2021) do Laboratório das Desigualdades Mundiais (World Inequality Lab), que integra a Escola de Economia de Paris, destaca que o Brasil, sem inovar, [de modo desprezível] permanece como um dos países com maior desigualdade social e de renda do mundo. O estudo mostra que a discrepância de renda no país é marcada por níveis extremos há muito tempo. E que as diferenças salariais vêm sendo reduzidas no país desde 2000, com uma [vil] transferência de renda do Bolsa Família e um [indigno] aumento do salário mínimo.

Claro que o Bolsa Família reduziu uma parte dessas desigualdades para os mais pobres, mas a falta de uma reforma tributária, além da agrária, faz a desigualdade de renda no Brasil permanecer inalterada, já que a [repulsiva] discrepância se mantém em patamares elevados. As desigualdades patrimoniais são ainda maiores do que as de renda e são uma das mais altas do mundo. Em 2021, os 50% mais pobres possuem apenas 0,4% da riqueza brasileira, diz o estudo.


O patrimônio do 1% da população mais rica do planeta cresce entre 6% e 9% ao ano desde 1995, enquanto, na média, o crescimento da riqueza gerada foi de 3,2% ao ano. Esse aumento global, diz o relatório, foi exacerbado durante a pandemia de Covid-19. E o Brasil segue essa tendência: o [infame] patrimônio do 1% mais rico passou de 48,5%, em 2019, para 48,9% do patrimônio total, em 2021.

Por sua vez, a União Internacional de Telecomunicações – UIT (em pesquisa divulgada dia 30/11/2021) aponta que no planeta Terra; com 7,8 bilhões de habitantes; 2,9 bilhões dessas pessoas ainda estão desconectadas da Internet, o que equivale a 37% da população total. E essa [vergonhosa] desigualdade persiste: do total de desconectados 96% são de países em desenvolvimento. Entre os que utilizam a Internet, centenas de milhões deles só conseguem conexão via dispositivos compartilhados ou em velocidades que limitam a utilidade da conexão.

A pesquisa da UIT mostra que com a pandemia houve avanço das conexões. Em 2019 eram 4,1 bilhões de conectados, marca que em 2021 chegou a 4,9 bilhões de usuários. No comparativo com 2020 o crescimento foi de 10%. O crescimento no primeiro ano de pandemia deve-se aos países em desenvolvimento, que cresceram mais de 13%. Já nas nações menos desenvolvidas o aumento passou dos 20%. O levantamento da UIT identifica [torpes] disparidades entre o acesso de 76% em áreas urbanas e de 39% em áreas rurais. Tudo a gerar mais desigualdade social.

Na corrida mundial para reduzir essa [odiosa] desigualdade uma das barreiras é o preço do acesso, ainda que as metas de desenvolvimento sustentável da Comissão de Banda Larga da ONU orientem acessos menos dispendiosos nos países em desenvolvimento até 2025. Na busca da equação para o [execrável] problema, dos 195 países pesquisados, 109 países tentam solução com banda larga fixa e 85 países com banda larga móvel, diz a pesquisa da UIT.

Outra pesquisa da UIT (divulgada em março de 2021), mostrou que o Brasil continua com dificuldades para oferecer serviços a um preço acessível. Entretanto, importa ressalvar que a carga tributária sobre serviços de telecomunicações no Brasil (uma das mais altas do mundo) é de 42%, dos quais, em média, 35% refere-se ao [ignóbil] ICMS cobrado pelos Estados e Distrito Federal. A falta de uma reforma fiscal ambiciosa, que torne o sistema tributário mais progressivo, também alimenta a [reles] desigualdade digital e social no Brasil.

Em paralelo, a pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação – Cetic (divulgada em junho de 2021), mostra que 46 milhões, dos 213 milhões de brasileiros, [de modo repugnante] ainda estão excluídos da vida digital. Ou seja, um em cada cinco brasileiros não acessa internet. O levantamento revela também que 45% desse grupo não consegue pagar pelo serviço e outros 37% não possuem um aparelho que permita conexão à rede mundial de computadores.

Contudo, como o momento é de paz, amor e esperança; do Advento, quando as forças divinas que nos sustentam a cada novo ano revigoram em nossas mentes e corações a vontade de vencer desafios; a tarefa maior deste autor é desejar que haja (no Brasil e no mundo): menos desemprego, menos pobreza e menos fome; mais saúde, mais educação, mais cultura, mais segurança e mais igualdade digital e social; assim como, um Feliz e Próspero 2022.

*Juarez Quadros é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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