Viver com banda larga por satélite é preciso
Para que se promova mais inclusão digital, inclusive na área rural, que se altere a Lei 14.173, de 15/06/2021, para prorrogar até 31/12/2030 a desoneração tributária.

Por Juarez Quadros do Nascimento*
“Navegar é preciso; viver não é preciso”. Essa frase do poeta português Fernando Pessoa faz sentido, mas no mundo digital viver também é preciso. As soluções via satélite para o acesso à internet em banda larga contam com inúmeras iniciativas em vários países. Investimentos globais nessas soluções, a resultar em políticas públicas de conectividade e lançamentos de avançados sistemas de satélites para expandir o acesso à Internet em regiões carentes de infraestrutura, promovem inclusão digital e desenvolvimento socioeconômico.
A conexão via satélite ganha impulso mundial com o sistema inovador de constelações compostas por frotas de satélites em baixa órbita (altitude de até 2 mil quilômetros) que permitem maior velocidade e menor latência em relação aos satélites geoestacionários (altitude média de 35 mil quilômetros). Esse impulso permite de forma eficaz o acesso digital em complementaridade às demais redes de telecomunicações.
Em um breve relato a seguir, diante das importantes movimentações no Congresso Nacional, são abordados os tópicos: banda larga por satélite pelo mundo, banda larga por satélite no Brasil, excessos de arrecadação no Fistel e alteração da Lei 14.173/2021.
Banda larga por satélite pelo mundo
Na América do Norte, utilizam-se satélites para cobrir com banda larga os EUA, Canadá e México. Nos EUA, além de outras iniciativas, em 2007 a Hughes iniciou a prestação de serviços na banda Ka para centenas de milhares de assinantes com satélite. Também nos EUA, em 2011, a Viasat passou a oferecer serviços para milhões de assinantes de banda larga via satélite. Para dar suporte à implantação de banda larga de alta velocidade em áreas rurais, há nos EUA o Fundo de Oportunidade Digital Rural, que via a FCC destina bilhões de dólares para provedores de serviços, incluindo aqueles que usam tecnologia de satélite.
Na Europa, entre outras, a Skylogic, subsidiária do Eutelsat, iniciou serviços em 2011 com satélite e ofereceu banda larga a milhões de assinantes, cobrindo a Europa e a área do Mediterrâneo no continente africano. Atendeu milhões de domicílios nas áreas rurais e montanhosas, além de empresas de barcos e trens. Na União Europeia há o Connecting Europe Facility. O programa inclui financiamento de projetos de banda larga via satélite para melhorar a conectividade entre os estados-membros.
Na Austrália, na década de 2010, o governo investiu dezenas de bilhões de dólares, para levar acesso à internet de alta velocidade a 100% das pequenas e médias empresas, 93% dos domicílios e para os 7% restantes previu uma cobertura preferencial com conexões via satélite. Com o programa National Broadband Network (NBN) Sky Muster, o governo australiano subsidia e incentiva a implantação de tecnologia de satélite, para fornecer banda larga de alta velocidade em áreas rurais e remotas.
Na China, que entra nessa corrida global, grupos locais iniciam lançamento de constelações de satélites de baixa órbita ao espaço, com a pretensão de disputar desse mercado mundial. Buscam parcerias; inclusive com a estatal brasileira Telebrás, mediante memorando de entendimento; para atuar no negócio de banda larga por satélite pelo mundo.
Banda larga por satélite no Brasil
No Brasil, segundo a Anatel, há 66 empresas autorizadas a explorar serviços, mediante o emprego de 45 satélites geoestacionários e 17 não geoestacionários autorizados, mas com apenas nove em serviço. Em 2011 o Brasil tinha no total 17,02 milhões de acessos em banda larga e via satélite eram apenas 32,8 mil acessos. Em 2024, o País encerrou o ano com o total de 50,57 milhões de acessos de banda larga, dos quais 552,6 mil eram acessos de banda larga por satélite. Contudo, a pesquisa TIC Domicílios (Novembro/2024) mostrou que havia no Brasil 29 milhões de pessoas sem acesso à internet, com 24% desse total em áreas rurais.
O Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), instituído pelo Decreto 7.175/2010, objetivou permitir o acesso a serviços de conexão à internet em banda larga, acelerar o desenvolvimento econômico-social, promover a inclusão digital e reduzir a desigualdade regional. Nesse contexto, a Medida Provisória 563/2012 incluiu as estações terrenas satelitais, que contribuíam com o PNBL, no Regime Especial de Tributação.
Mas, lançar infraestrutura de telecomunicações em áreas remotas de florestas, cerrados ou caatingas, nem sempre é economicamente viável. O satélite é a solução eficaz e barata para conectar muitos brasileiros, como inicialmente foi feito pelo Governo Federal com o Programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac). Estabelecido em 2002, com o objetivo de promover a inclusão digital em comunidades vulneráveis, o Gesac possuía 16 mil pontos de conectividade ativos ao final de 2024.
Excessos de arrecadação no Fistel
O Fistel, instituído pela Lei 5.070/1966, destina-se a prover recursos para cobrir as despesas feitas pelo Governo Federal na execução da fiscalização dos serviços de telecomunicações, desenvolver os meios e aperfeiçoar a técnica necessária à essa execução. O Fistel também é regulado pela Lei 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT), pela Lei 9.691/1998; e pela Lei 9.998/2000 (Lei do Fust – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações).
A Lei do Fistel dispõe que, além das transferências para o Tesouro Nacional e para o Fust, os recursos do Fistel são aplicados pela Anatel exclusivamente: (a) na instalação, custeio, manutenção e aperfeiçoamento da fiscalização dos serviços de telecomunicações existentes no País; (b) na aquisição de material especializado necessário aos serviços de fiscalização; (c) na fiscalização da elaboração e execução de planos e projetos referentes às telecomunicações; e (d) no atendimento de outras despesas correntes e de capital por ela realizadas no exercício de sua competência.
As receitas do Fistel, ano a ano, perfazem montantes com significativo excesso de arrecadação, gerando superávit financeiro que é sempre transferido para o Tesouro Nacional. A Lei do Fistel (art. 3º e suas alíneas) diz que: além das transferências para o Tesouro Nacional e para o Fust, os recursos serão aplicados pela Anatel exclusivamente na fiscalização dos serviços de telecomunicações. De 1997 a 2023, o Fistel acumulou R$ 86 bilhões de arrecadação (Fontes: Teleco e Telebrasil). Para fiscalizar os serviços de telecomunicações, anualmente a Anatel aplica menos de 20% do que arrecada com o Fistel.
Buscando atratividade para a conectividade via satélite, foi sancionada a Lei 14.173/2021, que promoveu a racionalização tributária incidente sobre as estações de recepção do sinal de satélite, as chamadas VSAT (Very Small Aperture Terminal). A Lei desonerou parcialmente as VSATs de TFI (Taxa de Fiscalização de Instalação), TFF (Taxa de Fiscalização de Funcionamento), Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) e Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). A TFI, que era cobrada quando um dispositivo era ativado, por VSAT, reduziu de R$ 201,12 para R$ 26,83 e a TFF a R$ 13,41. A CFRP diminuiu de R$ 10 para R$ 1,34 e a Condecine de R$ 24 para R$ 4,14.
A desoneração tributária que reduziu os valores de TFI, TFF, CFRP e Condecine incidentes sobre estações satelitais de pequeno porte foram introduzidos pela Medida Provisória 1.018/2020, convertida na Lei 14.173/2021. Na Exposição de Motivos 121 MCOM, da referida MP, o governo defendeu que a ampliação do uso de satélites era de grande importância para complementar a abrangência da infraestrutura terrestre em áreas rurais e em localidades com acesso precário.
Para tanto, a MP 1.018/2020 promoveu a redução das taxas e contribuições anteriormente citadas incidentes sobre estações terrenas de pequeno porte para os mesmos valores cobrados para celulares. De acordo com estudos do governo, informados na referida Exposição de Motivos, calculou-se que a arrecadação acumulada no período 2021 a 2030 seria de R$ 4,5 bilhões (sem desoneração fiscal) e de R$ 8,9 bilhões (com desoneração fiscal), gerando saldo positivo de R$ 4,4 bilhões para a administração pública.
Ainda que a medida gerasse a expectativa de saldo positivo para o governo até 2030, conforme os estudos apresentados, a vigência da desoneração tributária restou limitada até 31/12/2025, em observância ao prazo máximo de cinco anos definido na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021. Assim, senhores Congressistas, é chegado o momento de avaliar os resultados obtidos com essa providência.
O impacto positivo da medida para a sociedade brasileira é notado no aumento da quantidade de estações satélites no Brasil nos últimos cinco anos. Em 2019, havia 268 mil estações em funcionamento em todo o País. No fim de 2024, esse número já alcançava 552 mil estações, correspondendo a um crescimento de mais de 100% nesse período. Há no Brasil mais de meio milhão de famílias e empresas conectadas à internet por meio das tecnologias satelitais, que são desoneradas pela redução das taxas e contribuições dispostas na Lei 14.173/2021.
Importa frisar que as previsões da Lei 14.173/2021 apenas aplicam justiça fiscal aos usuários que pagam a conta e acessam a internet por meio de satélite em comparação com os clientes de outras tecnologias, uma vez que a medida iguala os valores cobrados por taxas e contribuições em diferentes as tecnologias de conexão à internet.
Em sintonia com o objetivo de “promover o acesso às telecomunicações em condições econômicas que viabilizem o uso e a fruição dos serviços, especialmente para a ampliação do acesso à internet em banda larga em (…) áreas urbanas desatendidas, rurais ou remotas”, definido no Decreto 9.612, de 17/12/2018, que estabelece as políticas públicas de telecomunicações vigentes, a desoneração para as estações de satélites de pequeno porte precisa ser igualmente mantidas.
Para que se promova mais inclusão digital, inclusive na área rural, que se altere a Lei 14.173, de 15/06/2021, para prorrogar até 31/12/2030 a desoneração tributária relativa às Taxas TFI e TFF do Fistel, Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública e Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional incidentes sobre estações de satélites de pequeno porte, uma vez que, no mundo digital, navegar e viver é preciso.
(*) O autor é Engenheiro Eletricista, Evangelista Regulatório e Tecnológico. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.