Opinião

Volkswagen quer ser uma gigante de software. O que vai acontecer com o seu carro?

Com as mudanças comportamentais decorrentes da pandemia, o consumidor final trouxe novas demandas. A experiência cada vez mais digital em ações corriqueiras, como fazer compras on-line, pedir comida em apps, telemedicina, e trabalhar remotamente está muito distante da experiência quase analógica que o consumidor tem com o carro convencional.

Porém, essa distância tem data para acabar. Da mesma forma que o smartphone revolucionou e criou toda uma nova cadeia de software ao redor do hardware telefone, esse parece ser o destino do setor automotivo. O carro tende a se tornar o dispositivo mais complexo conectado à Internet e já é hoje o gadget no qual as famílias mais investem dinheiro. Em muito pouco tempo, os carros passarão a ter outros usos, como heliponto de drones, roteadores de wi-fi e fonte de dados sobre o comportamento do usuário.

A Volkswagen publicou há alguns meses que, em poucos anos, quer se tornar a segunda maior empresa de software da Europa. Sim, você leu certo! Ela pretende investir, até 2024, US$ 68 bilhões e assim ser uma empresa software-driven mobility provider (provedor de mobilidade orientada por software), sem deixar de produzir carros.

Na Tesla, o carro é inspirado em um ser vivo e seu CEO, Elon Musk, pretende transformar automóveis em seres autônomos capazes de captar os sentidos e reagir como um ser biológico o faria. Quando líderes de mercado revolucionam seus negócios principais, naturalmente criam espaços para o desenvolvimento de novos elos da cadeia produtiva e até novas cadeias produtivas inteiras. Exatamente como aconteceu com os telefones celulares.

Eu estava trabalhando em um coworking enquanto escrevia uma submissão para o novo edital do Rota 2030, quando escuto o meu vizinho de mesa, fazendo um pitch em inglês sobre uma frota de vans elétricas. Ele me contou que sua startup já vendeu antes de produzir – sim! De novo você leu certo, eles já venderam antes de produzir mais de 200 vans elétricas para a Unidas.


Contextualizo. O Mercado Livre uberizou o sistema de logística, logo qualquer pessoa que tenha um carro pode fazer entregas. Você já deve ter recebido seus pacotes de gente normal saindo de carros normais, em horários nada normais. Pois é. Em uma época em que tanta gente perdeu seus empregos, o Mercado Livre deu um passo genial.

De fato, a venda de vans e congêneres aumentou 23% nos últimos meses. Justamente por conta da demanda de carros para logística. E sabe quem são os compradores de boa parte dessas vans? As locadoras! Assim como já vinha acontecendo com os ubers, as locadoras alugam vans para pessoas normais fazerem entregas do Mercado Livre.

Muito rapidamente, esse modelo de negócio começou a gerar alguns problemas, como congestionamento dos carros para serem carregados nos centros de distribuição, com os motoristas chegando a esperar mais de 4 horas. Além disso, com o alto custo dos combustíveis, para os motoristas é muito importante entregar toda a carga no mesmo dia, o que significa fazer entregas até às 22 horas ou mais.

As vans elétricas do meu colega de coworking atacam justamente esses problemas. O carregamento elétrico é feito à noite, logo não depende de infraestrutura rodoviária e a atual autonomia de 250 km é suficiente para rodar muito. Todo o design do interior é pensado para que o motorista não perca tempo e nem danifique as embalagens, caçando qual o próximo produto a ser entregue. Existe um sistema de engavetamento que facilita, inclusive, o carregamento físico dos produtos no centro de distribuição.

A última interação que eu havia tido com o setor automotivo alguns anos atrás tinha me deixado com a impressão de que a inovação disruptiva mais recente era o Uber. Mas, nessas duas últimas semanas, me encantei positivamente com as potencialidades. Mesmo o Brasil não sendo um celeiro de inovação do setor automotivo no mundo, parece que temos uma oportunidade real para nos posicionarmos estrategicamente na cadeia global de valor como produtores de inteligência.

Elisa Carlos é head de operações da Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex)

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