Europa vai liberar uso de dados de celulares para mapear Covid-19
O horror global com a pandemia de coronavírus está fazendo avançar rapidamente o uso de dados pessoais como ferramenta de combate à crise. Baseados na experiência bem sucedida da Coreia do Sul e de Cingapura, que monitoram a Covid-19 e os deslocamentos das pessoas com base nos celulares, os países da União Europeia avançam para fazer o mesmo. Até no Brasil já tem experiência semelhante, com um aplicativo da prefeitura de Recife que avalia a localização e o isolamento social.
A iniciativa vem sendo turbinada na UE pelo comissário de mercado interno da Comissão Europeia, Thierry Breton, ele mesmo ex-presidente da France Telecom. Na sequência de conversas com as operadoras do bloco, ele defendeu que o uso de dados permite melhor avaliação do impacto das medidas que estão sendo tomadas pelos países membros para combater a pandemia.
“Vamos selecionar uma grande operadora em cada país. Queremos ser muito rápidos e acompanhar [esses dados] diariamente. Na luta contra essa crise, é fundamental que antecipemos a disseminação da pandemia e a possibilidade de crescimento em cada país”, defendeu o comissário europeu.
Diante da crise com a Covid-19, até o supervisor europeu de proteção de dados (EDPS), Wojciech Wiewiórowski, concordou com a medida, embora tenha encaminhado um documento elencando uma série de ressalvas. “A proteção de dados é suficientemente flexível para permitir várias medidas de combate contra pandemias”, anotou, para em seguida defender que “a Comissão deve definir claramente quais as bases de dados quer obter e garantir transparência junto ao público para evitar possíveis mal entendidos”.
O documento pede cautela, especialmente no uso de terceiros, notadamente privados, para o processamento dos dados. E ressalta que a promessa de que os dados serão ‘anonimizados’ exige “mais que simplesmente remover identificadores óbvios como os números de IMEI”, sustentando que o uso de dados agregados pode ajudar nessa medida também.
Além disso, destacou a necessidade que os dados obtidos das operadoras móveis sejam apagados assim que a emergência for superada. “Deve ser claro que essas medidas especiais são adotadas por causa de uma crise específica e têm caráter temporário. O EDPS estressa que tais desenvolvimentos usualmente não permitem a possibilidade de recuo depois que a emergência se for. Portanto devo reforçar que essa solução seja reconhecida como extraordinária.”
Como ressalta em artigo no portal Jota o professor e especialista no tema Danilo Doneda, “em situações e momentos que clamem pelo acesso e disponibilização mais amplo de dados pessoais a fim que se atinja um inconteste interesse maior, a disciplina de proteção de dados não há de se constituir um empecilho”, mas “este elemento fundamental que é a legitimação para o uso em situações de emergência não é, de forma alguma, uma carta em branco fornecida pelas legislações de proteção de dados para o emprego irrestrito de dados pessoais”.
Afinal, emenda, “a ideia de um legado de vigilância e hipertrofia do uso de dados pessoais para outras finalidades, cessada a emergência, há de ser combatida com vigor”. O alerta precisa ficar. Como afirma o espião Edward Snowden, que revelou ao mundo o nível de vigilância dos EUA sobre o planeta, “a emergência tende a ser expandida. E então as autoridades ficam confortáveis com um novo poder. E começam a gostar.”