Telecom

Big teles querem cobrar das big techs com mais de 5% do tráfego internet

Na trajetória processual regulatória da Anatel para ampliar seu escopo de atuação para a internet, terminou com 627 contribuições a primeira Tomada de Subsídios da agência que tocou no tema da cobrança adicional de rede. E como mostrou um balanço apresentado pela agência nesta quarta, 11/10, a maioria das contribuições foi contra o pleito das grandes teles de cobrarem pelo uso da rede das grandes empresas de internet. 

O debate se deu no âmbito da Tomada de Subsídios sobre o “Regulamento de Deveres dos Usuários”, o que em si já foi merecedor de críticas. As big teles defendem um conceito de “usuários massivos”, ou, como explica a Claro, “aqueles que ocupam um percentual relevante do tráfego total cursado na rede de internet fixa ou na rede móvel”.

A Feninfra esclarece a ideia ao sustentar que, por conta de uma “hiper concentração do trafego da rede em pouquíssimas aplicações, a agência deve disciplinar como inadequado o uso da rede quando o usuário isoladamente for responsável por mais de 5% do trafego total”. 

Os alvos são conhecidos e expressamente apontados: Meta, Alphabet, Microsoft, Amazon, Apple e Netflix, que, segundo as teles, “representam praticamente 50% do tráfego gerado nas redes”. Um caminho, segundo as teles, seria uma reinterpretação da neutralidade de rede pela Anatel, que abriria caminho para o mercado de duas pontas, liberando negociações entre big teles e big techs, com arbitragem da agência.


Que Meta e Google se posicionariam contrariamente no debate, não chega a surpreender. Ou a Internet Society, por conta do ataque direto à neutralidade de rede para a criação de um mercado de duas pontas, como defendido expressamente pela Telefônica/Vivo. Ou, ainda, entes de defesa do consumidor, como Idec, ou integrantes da Coalizão Direitos na Rede. Mas nem mesmo os prestadores de pequeno porte concordaram com a tese, como visto nas contribuições da Abranet ou da Abrint. A única aliada das big teles é a Telcomp, que defende a transformação da Anatel em uma agência reguladora do ecossistema digital. 

Mas as big teles tem simpatia da própria Anatel, que jura não ter posição firmada sobre o tema, mas já criou a ideia de Grandes Geradores de Tráfego para os tais “usuários massivos”; e vai abrindo caminho para regular relações comerciais na internet a partir da leitura de que tem poder para regular o comportamento dos usuários.  Garante ainda ter respaldo legal para “reinterpretar” o que efetivamente significa o conceito de neutralidade de rede previsto no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14). Detalhe: a Anatel já tem duas ações em curso suportadas nesse arcabouço interpretativo. 

O superintendente de Planejamento e Regulamentação da Anatel, Nilo Pasquali, explica como a agência avalia: “Existem discussões de que o ‘fair share’ poderia ferir a neutralidade de rede. E existem contribuições no sentido de que uma coisa não teria relação com a outra e não fere a neutralidade. Não é, per se, uma questão de interpretação, mas como isso se enquadra dentro da legislação. A Anatel pode interpretar a Lei no setor de telecomunicações, isso é explícito na LGT. A Anatel tem poder administrativo final sobre o setor de telecomunicações. Se pode interpretar o que está dentro do escopo, também pode, indiretamente, aspectos que também permeiam esse ambiente.”

E a agência vem se valendo do entendimento de que pode impor comportamentos aos usuários em duas iniciativas importantes: nos limites e até mesmo bloqueios de chamadas automáticas, os robocalls; e no bloqueio de endereços IPs identificados a partir de TV Boxes piratas – aqueles aparelhos clandestinos para recepção de sinais de TV paga. 

Foram muitas as contribuições à Tomada de Subsídios da agência que questionam a premissa da consulta. Estúdios de Hollywood, pequenos provedores, defesa do consumidor, direito digital, representantes de PPPs, entre muitos, insistiram que a Anatel está usando subterfúgios para ampliar sua atuação ao mundo digital. 

Como resumido nesta colocação da Abranet, que vê no movimento “grande desvio de finalidade”, “o objetivo proposto na Tomada de Subsídios vai além do que estabelece a LGT, não tendo, portanto, base legal que sustente a ampliação de escopo e competências. Na LGT, não há novo dever ou discriminação da condição de usuário”. Por isso, “discorda da criação de uma competência reflexa da Anatel – sem respaldo legal – para regular os usuários de serviços de telecomunicações”.

A caminhada, no entanto, segue. A agência anunciou que já prepara uma segunda tomada de subsídios para aprofundar o tema, que deve ganhar a rua lá pela segunda metade de novembro. Essa nova consulta deve centrar fogo no “problema” – o custeio das redes – e começar a ponderar “remédios”. Segundo o superintendente Executivo da Anatel, Abraão Silva, a falha de mercado apontada pelas big teles é a seguinte: 

“Basicamente, existem alguns apontamentos, em especial em estudos que foram colocados, que apontam, pelo menos supostamente, e não estamos fazendo nenhuma assunção se concordamos ou não, de que a falha de mercado seria uma falha de coordenação. Esse é o nome que mais sumarizaria, uma vez que tem um setor que influencia no outro e, por questões de incentivos, eles não se coordenam do ponto de vista alocativo e isso seria uma falha de mercado. Esse seria o principal apontamento do ponto de vista microeconômico daquilo que foi colocado. Naturalmente, vamos avaliar tudo o que foi colocado. E dentro da próxima tomada de subsídios esse item será objetivamente debatido, se essa é de fato uma falha e qual a melhor maneira de tratar.”

A Telefônica/Vivo foi mais sucinta: “Provedores de SVA crescem em receita sem contribuição pela utilização das redes de telecomunicações.”

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