Telecom

Consulta da Anatel trata de regulação da internet e da cobrança por redes

Nesta quinta, 30/3, a Anatel abriu uma tomada de subsídios para discutir um “regulamento de deveres dos usuários”, atenta especialmente as “regras específicas para os grandes usuários ou aqueles que demandem algum tratamento regulatório peculiar”. 

E quem são os “grandes usuários”? As plataformas online, em especial. A  agência incorpora as reivindicações das operadoras de telecom sobre a chamada “partilha justa”, que não mais é do que a cobrança pelo uso das redes pelas OTTs. 

“Do diagnóstico das principais inovações tecnológicas, vislumbra-se uma tendência de aceleramento das transformações do ecossistema digital já em curso, e não uma guinada de rumos radical. Dessa forma, as discussões atuais sobre a regulação das plataformas apresentam-se como pertinentes ao menos no médio-prazo”, diz a Anatel na introdução à tomada de subsídio. 

O desenho proposto é de que existe um problema na “fuga de valor das telecomunicações para as plataformas digitais”, que deriva para a conclusão de que “o fato é que a possibilidade de exigência normativa quanto à participação das plataformas digitais no custeio da rede, tópico até pouco tempo sequer cogitado, hoje é tema prioritário na pauta de discussões setorial”.

No entanto, o cenário descrito pela Anatel permite mais de uma interpretação. A premissa básica é assim colocada: “A contestação da oferta clássica pelo ecossistema digital foi especialmente sentida no setor de telecomunicações. Tomando-se o caso da telefonia, a evolução do catálogo de funcionalidades dos aplicativos de mensageria ilustra bem tal dinâmica. Baseados inicialmente na troca simples de mensagens de texto, tais aplicações avançaram para o compartilhamento de áudios e imagens e terminaram por realizar de chamadas de voz e vídeo. No contexto da televisão paga, a concorrência foi ainda mais disruptiva, uma vez que a tecnologia das plataformas possibilita a oferta sob demanda de conteúdo, atributo inviável para o tradicional modelo de distribuição centralizado e de programação linear.”


A própria agência reconhece que “a evolução das redes influencia e pavimenta o caminho para formas disruptivas de consumo da informação, ao mesmo tempo em que tais modelos de negócio inovadores ditam os investimentos e a oferta das redes e serviços de telecomunicações”. Mas a pergunta que a Anatel – e muito menos as teles – faz é, por que, encontrando-se em posição especialmente privilegiada para tal, não foram as teles que lançaram serviços de mensageria que permitem compartilhamento de voz e vídeo? Por que não foram as teles que inovaram para o streaming, visto terem elas mesmas acordos de distribuição conteúdo audiovisual? 

Ao contrário, a argumentação é de que há “rendimentos decrescentes”, “aumentos de custos de capital”, e “acúmulo de saldos negativos”. Sem surpresas, porém, a avaliação não menciona que a receita líquida do setor de telecomunicações no Brasil, segundo dados da consultoria Teleco, pulou de R$ 40 bilhões em 2000 para R$ 152 bilhões em 2021 – em 2022, somou R$ 120 bilhões até setembro, último dado disponível. 

As teles miram, portanto, não na concorrência com a Netflix, que lucrou em 2022 o equivalente a R$ 23 milhões, muitas ordens de grandeza abaixo da Vivo, que lucrou R$ 4 bilhões no mesmo período. As reclamações do setor de telecom são voltadas a gigantes como a Google, que registrou lucro de R$ 1,4 trilhão no ano passado. O problema é que mirar na Google somente enfraquece o argumento de “partilha justa”, pois como admite a Anatel, é uma das maiores investidoras em redes de transporte de dados do mundo:

“As principais plataformas digitais avançam rumo ao controle também de ativos físicos de transporte, como bem ilustra o caso da Google, detentora da maior rede privada de dados do planeta, responsável pelo trânsito de aproximadamente um quarto do tráfego da Internet por meio de um complexo de cabos submarinos e datacenters distribuídos mundialmente.”

Com essas considerações, a consulta da Anatel quer saber, entre vários pontos, “quais seriam os prós e contras do estabelecimento de distintos modelos de remuneração de rede”, ou ainda “quais competências adicionais seriam requeridas para atuação mais ampliada da Anatel”. 

As contribuições à tomada de subsídios são pela plataforma Participa Anatel, neste link

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