Empresas reclamam de novo avanço da Anatel sobre a internet em regra de interconexão
Na aparente irresignação eterna contra a separação adotada no Brasil entre telecomunicações e internet, a Anatel volta a molhar o pé no mar da segunda com a nova proposta de regulamento de interconexão. E desta vez a queixa não se resume a pequenos provedores ou às empresas de conteúdo, mas tem nas próprias operadoras de telecom as maiores reclamações.
O ponto que as une é a bem intencionada tentativa da agência de melhorar as relações contratuais entre grandes e pequenos, seja pelo lado da transparência, com ofertas públicas nos sistemas de negociação de atacado, ou por aproximar-se dos contratos reais do mercado para a troca de tráfego. Mas é aí, gemem as empresas, que a agência dá um passo além do permitido.
“Não foi delegada à Agência a competência para impor a obrigatoriedade de acordos de encaminhamento de tráfego, tampouco para estabelecer a sua remuneração de forma atrelada às tarifas”, dispara a Telefônica em sua contribuição ao que se pretende o novo regulamento geral de interconexão.
Segundo a tele, as bases pouco aderentes ao mundo real do atual regulamento – vide o aparente desprezo do mercado pelo que a agência chama de Classe V – conduziu as partes a ajustes, digamos, autorregulados. “As empresas terminaram por desenvolver o negócio de encaminhamento de tráfego (trânsito local e transporte de longa distância), modelo que se apresenta de forma complementar à interconexão e com a qual não se confunde”, insiste a Telefônica.
Outras contribuições à consulta apontam para mudanças mais sutis, como a remoção de referências ao Serviço de Valor Adicionado – que é como a internet é tratada nas normas regulamentares e legais.
“Foi retirada a menção à ligação de Rede de Telecomunicações com a rede de provedor de Serviço de Valor Adicionado. Esta supressão pode levar à interpretação de que à ligação entre rede de telecomunicações e redes dos provedores de SVA são consideradas interconexão”, diz uma das 168 contribuições à consulta. Outra, ainda, clama para a agência “não permitir qualquer confusão entre prestação de serviço de telecomunicações e SVA”.
Mesmo a Neflix, que faz vários elogios à proposta da Anatel, sublinha que: “Cumpre ressaltar que o paradoxo apresentado pela regulamentação da interconexão e da troca de tráfego na Internet e que, embora possa fornecer um remédio em algumas circunstâncias em que ocorreram falhas de mercado, em outro caso pode interferir no sucesso da operação do mercado e conferir poder de mercado para aquelas empresas que, de outra forma, não o teriam.”
“Esse risco”, completa a Netflix, “é especificamente maior no mercado de troca de tráfego na Internet, no qual o mercado tem produzido resultados muito bons com pouca ou nenhuma regulamentação, e no qual há forte potencial de uma intervenção regulatória ser prejudicial ao mercado”. Daí a conclusão que “qualquer medida buscando expandir a regulamentação do mercado de troca de tráfego na Internet corre o risco de gerar consequências indesejadas e prejudicar a inovação.”
A Anatel, por sua vez, faz uma leitura diferente. Como sustenta o autor da proposta em debate, Igor de Freitas, “todo encaminhamento de tráfego, por definição, é uma atividade de telecomunicações e, como tal, regulada pela Anatel. O fato de, historicamente, a relação entre prestador de internet e de telecomunicações se dar em contratos de peering não tira da Anatel o poder-dever de regular isso que por definição é interconexão.”
Freitas também faz distinção sobre as abordagens da nova norma. O acesso a conteúdos por meio de CDNs, como é o caso da Netflix, que aproxima um cache de seus conteúdos da rede das operadoras que vão distribuí-lo, não é considerado interconexão – mas ele sustenta que ainda assim poderia ser objeto de regulação da agência.
Outro caso, e aqui entra a expressa intenção da agência a atualizar a norma, é na relação entre provedores. “A relação entre provedor pequeno e provedor grande nunca foi tratado como interconexão pela Anatel e vai passar a ser tratado. Era um contato de usuário. O grande prestador oferecia serviço IP para dar conectividade a esse pequeno que não consegue ter acesso. No histórico de relacionamento, de funcionamento na lógica da internet não tratava como interconexão. Vai passar a ser.”