
Por Hermano Pinto (*)
A infraestrutura física de conexão à internet (postes, estradas, fibras ópticas, dutos e torres) é o pilar invisível ao público, mas fundamental, que sustenta a conectividade e habilita a transformação digital do Brasil. A discussão sobre espectro e tecnologia de ponta chama a atenção, mas são os quilômetros de cabos, a ocupação de postes, a passagem subterrânea em estruturas viárias, e a implantação de redes em áreas remotas que realmente viabilizam a conectividade para empresas, governos e cidadãos. A infraestrutura física de conectividade não pode ser tratada como um “segmento vira-lata”, dada a sua enorme importância para o crescimento do país.
A evolução acelerada dessa infraestrutura permite que o Brasil não apenas amplie o acesso à informação, mas também habilite o desenvolvimento de novos negócios, modelos de serviço e oportunidades de inovação. Um tema muitas vezes ignorado, e negligenciado no planejamento de nossas estruturas urbanas e viárias, mas que se mostra essencial para a construção de um país moderno.
Uma revolução em andamento
Muito se fala dos fluxos e capacidades de armazenamento de tera ou petabytes para o processamento tradicional e quântico de gigantescos volumes de dados em algoritmos de inteligência artificial. Independente da rede em que estejamos inseridos, de banda larga móvel ou fixa, a demanda por conexões de alta capacidade e baixa latência são premissas de novo “momento de revolução da conectividade”!
Ainda que a transmissão sem fio venha avançando de forma consistente, os grandes volumes de dados demandam backbones de altíssima capacidade, redes de acesso (backhaul, fronthaul) igualmente potentes, assim como interfaces de última milha, que não se tornem gargalos para a oferta de serviços de alto valor agregado.
A infraestrutura de fibra não apenas amplia a velocidade e a qualidade da conexão, mas também viabiliza a oferta de serviços avançados – como streaming em alta definição, telemedicina, automação industrial e Internet das Coisas (IoT). Do entretenimento às consultas médicas em vídeo, da gestão remota de instalações industriais à experiência estendida de consumidores em estádios e shopping centers, das possibilidades da logística com veículos autônomos ao uso de robôs à distância, tudo passa pelas fibras ópticas.
O Brasil conta hoje com uma infraestrutura ótica robusta, que se estende por milhões de quilômetros e conecta de grandes centros urbanos a pequenas cidades do interior. Essa democratização da infraestrutura que viabiliza o acesso da população foi possível graças ao investimento de operadoras, provedores regionais e políticas públicas de incentivo à expansão da banda larga.
Não apenas isso, projetos estruturantes como o Norte Conectado levam fibra óptica a regiões remotas da Amazônia, conectando cidades, escolas, hospitais e bases militares. O impacto é múltiplo: inclusão social, cidadania digital, acesso ampliado à educação e à saúde, e habilitação de negócios em áreas antes isoladas.
Em um mundo que exige agilidade, a infraestrutura brasileira de conectividade precisa dar a condição para que os negócios acompanhem a evolução, não se transformando em um gargalo por falta de planejamento ou leis que não acompanhem as demandas deste mundo de oportunidades digitais.
O desafio da infraestrutura compartilhada
A ocupação desordenada dos postes tem sido, historicamente, um dos grandes gargalos para a expansão da conectividade no Brasil. O compartilhamento de infraestrutura entre operadoras, concessionárias de energia e provedores regionais é tema de intensos debates e regulações. A busca por soluções mais eficientes, a partir de consórcios, acordos de compartilhamento ou regulamentações mais flexíveis, é fundamental para acelerar a implantação de novas redes, garantir a preservação dos ativos e de suas finalidades primárias, além evitar a poluição visual e os riscos à segurança da população frente à situação caótica hoje verificada.
Além dos postes, a utilização de dutos subterrâneos, galerias e microdutos vem ganhando espaço, especialmente em áreas urbanas densas e em projetos de cidades inteligentes. Essas soluções reduzem custos de manutenção, aumentam a segurança das redes e facilitam futuras expansões, trazendo mais segurança para a população. Entretanto, um planejamento e registro consistente desta infraestrutura enterrada é fundamental, para que o problema não seja apenas “jogado embaixo do tapete”.
Conforme defendido pelos profissionais de mercado, a urgência e a prioridade da conectividade no Brasil exigem que o enfrentamento do problema das estruturas físicas seja feito com articulação, técnica, equilíbrio e diálogo.
Estradas e Ferrovias – as artérias para a competividade do país
Um dos projetos estratégicos mais relevantes para a infraestrutura física de conexão é a cobertura de estradas e rodovias. O leilão das bandas de conectividade 5G, por exemplo, estabeleceu obrigações para que as operadoras levem cobertura móvel a milhares de quilômetros de rodovias federais, promovendo inclusão digital e habilitando novos modelos de negócio.
A conectividade nas estradas não é apenas uma obrigação regulatória, mas uma grande oportunidade de negócio e um dever para com os profissionais e cidadãos que por elas transitam. E aqui, não se trata apenas da obrigação de cobertura em 700MHz, apontada no leilão do 5G, mas também os dutos para cabos de telecomunicações e de energia, que permitiriam a extensão de backbones para áreas desatendidas, abrindo novos formatos de concessão e gestão nas rodovias, como a inclusão de pedágios “free-flow”, a eliminação dos ultrapassados “call-boxes” e a introdução de novas possibilidades tecnológicas de inteligência e segurança viária, que incluíram rodovias com auto recarga de veículos híbridos e uso de frotas autônomas.
Nos Estados Unidos e na Europa, a conexão de rodovias e ferrovias vem se mostrando rentável, viabilizando soluções de logística inteligente, rastreamento de frotas, cobrança automática de pedágios, monitoramento ambiental e telemetria para veículos autônomos.
A Confederação Nacional de Transportes (CNT) e as associações de operadores logísticos e de terminais portuários reforçam a necessidade de uma revolução de conectividade nas estradas e ferrovias, como forma de vencer os gargalos de acesso e fluxo de caminhões e de cargas, bem como para trazer mais segurança e conforto para os motoristas e usuários.
A hora da infraestrutura sob demanda
A infraestrutura física de conexão não é mais pensada apenas para o público em geral, mas procura atender a segmentos e projetos específicos. Grandes áreas industriais, portos, aeroportos, áreas agrícolas e polos de inovação demandam soluções customizadas, que envolvem desde a implantação de redes privativas até a integração com sistemas de automação, segurança e monitoramento.
A oferta de conectividade de alta performance permite viabilizar soluções integradas em termos de produção industrial, logística e acesso a múltiplos clientes, como ocorre em portos, aeroportos, em polos de produção de etanol, no agronegócio de precisão e em cidades inteligentes em todo o Brasil.
Um exemplo de como novas necessidades geram oportunidades de negócio está na atuação de integradores – empresas especializadas em projetar, implantar e operar redes sob medida. Muitas vezes, esses integradores assumem o investimento inicial e são remunerados com base em indicadores de desempenho e resultados alcançados pelo cliente. Um modelo de negócios que minimiza riscos, estimula a inovação e gera novas possibilidades.
Apesar de todos esses avanços, o setor ainda enfrenta desafios importantes:
- Burocracia e licenciamento: a obtenção de licenças para ocupação de postes, abertura de valas e passagem de cabos pode atrasar projetos e aumentar custos.
- Integração de planejamento e execução: obras públicas e concessionadas precisam prever a infraestrutura necessária de telecom e energia como parte integrante do seu escopo de trabalho.
- Compartilhamento e concorrência: o equilíbrio entre competição e cooperação no uso da infraestrutura é fundamental para evitar duplicidade de investimentos e garantir eficiência.
- Manutenção e modernização: redes antigas, especialmente de cobre e coaxial, ainda existem em algumas regiões e demandam investimento em sua substituição por fibra óptica.
- Segurança e resiliência: a proteção física das redes contra furtos, vandalismo e desastres naturais é cada vez mais relevante.
Tendências como a implantação de microcélulas para 5G, uso de postes inteligentes (com sensores, câmeras e iluminação conectada), expansão de redes ópticas em áreas rurais e integração com energia renovável apontam para uma infraestrutura cada vez mais inteligente, sustentável e preparada para o futuro.
Para que essas tendências se consolidem, é preciso que a visão “vira-lata” sobre a infraestrutura física seja deixada de lado. Em vez disso, é preciso transformá-la em “cachorros caramelos”, queridos e que encontram, dentro de suas possibilidades de perenidade e flexibilidade, caminhos para crescimento e prosperidade. Os desafios existem, mas as oportunidades são ainda maiores – e todos saem ganhando com elas: governo, empresas e cidadãos.
(*) Hermano Pinto é diretor do Portfólio InfraTech da Informa Markets Latam e responsável pelo Futurecom.