Sem LGPD, Anatel recomenda cautela no uso de dados móveis na Covid-19
Com o vai, não vai do uso de dados móveis pelo governo federal como ferramenta no combate à pandemia da Covid-19, a Anatel aproveitou para reforçar uma posição que já tinha externado ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações: cautela e LGPD não fazem mal a ninguém.
Em uma nota publicada nesta quarta, 15/4, sobre “possibilidades de coletas de dados de usuários dos serviços de telecomunicações como insumo para informações sobre mobilidade concentrações de pessoas”, a agência destaca que “a adoção de qualquer medida” dessa natureza deve “decorrer de decisão motivada, com respaldo jurídico e a devida transparência para órgãos de controle e para a sociedade”.
As ressalvas da Anatel não são novas, como já tinha apontado esta Convergência Digital. Mas ganham momento com a decisão política de suspender o acordo que vinha sendo costurado entre o MCTIC e as operadoras móveis para uso de dados justamente como insumo para informações sobre mobilidade concentrações de pessoas.
A nota da agência passa ao largo das motivações do governo federal para colocar o acordo na geladeira – a justificativa de preocupação com a privacidade é frágil para uma administração que vem postergando a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Mas o posicionamento formal da Anatel reforça a importância dessa nova agência e da própria LGPD. Afinal, pontua a nota que:
1) Os mecanismos e os dados coletados e processados neste momento constituirão base legada que estará submetida às disposições da LGPD a partir de sua vigência, razão pela qual tal esse instrumento normativo constitui importante baliza para aferição da regularidade das ações em curso.
2) A coleta e o tratamento de dados estão sujeitos à legislação vigente e, sobretudo, aos ditames da Constituição Federal. A ponderação de tutela entre saúde e privacidade encontra-se no mais alto grau de nossa hierarquia normativa. A despeito da presente crise, o momento ainda comporta a possibilidade de harmonização entre os dois bens jurídicos, de forma motivada e transparente.
3) O juízo de proporcionalidade deve ser observado na medida em que os direitos dos indivíduos possam ser tangenciados. O custo-benefício deve ser expressamente aferido, cotejado a outras soluções à mão do Poder Público que se revelem porventura menos invasivas. Questões como o consenso do indivíduo também devem ser ao menos apreciadas, e motivadamente afastadas, se for o caso.
4) A cultura de proteção da privacidade, embora crescente, ainda é incipiente no Brasil. Num cenário em que a consciência dos indivíduos a respeito do tema é pontual, cabe com primazia ao Poder Público protegê-los em diversas dimensões cujos reflexos podem ser muito mais permanentes que a atual crise.
O cenário de transição rumo à vigência da LGPD, a existência de debate entre bens tutelados pela Constituição Federal, e a excepcionalidade das soluções, indicam grande necessidade de transparência, acompanhamento constante e participação de atores que possam oferecer um controle externo, ou mesmo social, na construção do respaldo jurídico desejável, bem como para fins de auditoria da utilização ou manipulação dos dados.