Teles se isolam na defesa da cobrança de taxa de uso de rede no Brasil
O debate sobre uma possível taxa de rede — pleiteada pelas grandes prestadoras de serviços de telecomunicações para que os principais geradores de tráfego, leia-se as big techs, remunerem pelo uso da infraestrutura, o fair share — está longe de ter uma solução e as teles ficam cada vez mais isoladas na reivindicação.
Ao participar de painel durante a 15ª edição do Encontro Nacional da Abrint, realizada nesta quarta-feira, 12/06, o assessor da presidência da Anatel, Mozart Tenório,adotou um tom bem cauteloso. Ele enfatizou que a agência não tem um prazo para concluir os estudos ou dar uma resposta. “Tudo está sendo feito de maneira serena para chegar à decisão que seja muito bem alicerçada, porque é difícil voltar atrás e consertar o erro se acontecer”, enfatizou.
Questionado se o Brasil precisa de taxa de redes, Mozart Tenório preferiu não responder. Ele reforçou que a Tomada de Subsídios foi feita para entender melhor a questão. O assessor da presidência da Anatel enfatiza que todas as contribuições estão sendo analisadas, serão reunidas e tabuladas de forma a prover diagnósticos que mostrem se existe falha de mercado ou não.
“E, se não tiver, encerra o caso. Ou, se for identificada a falha de mercado, começa o regulamento que vai ser colocado em consulta pública”, detalhou Mozart Tenório, pontuando que não cabe à agência dizer se é justo ou não haver taxa. “Nossa missão é zelar pela rede de telecom do Brasil, que precisa ser sustentável, entregar qualidade e chegar ao consumidor a preços acessíveis.”
Do ponto de vista do regulador, a Anatel está tentando identificar falhas dos agentes do mercado. Na mesma linha, a Secretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação do Ministério da Fazenda fez um trabalho de análise de aspectos regulatórios e concorrenciais e possíveis impactos e chegou à conclusão de que não há falha de mercado que justifique uma cobrança de taxa de rede, conforme explicou Marina Cavalcanti, coordenadora-geral de Saúde e Comunicações do Ministério da Fazenda.
“Existem limites para regulação pelo Estado que deve regular quando identificada alguma irregularidade, prejudicando outros players”, explicou Cavalcanti. “Até o momento, não conseguimos identificar nada sob o ponto de vista econômico que justifique a taxa; nada mostra gargalo na conectividade no Brasil. Temos caminhado para uma crescente de disponibilidade de conectividade e não há nada que leve a subsídios cruzados”, ressaltou a coordenadora.
Pelo contrário, Cavalcanti apontou que uma possível cobrança de taxa de rede poderia afetar diretamente as inovações que este mercado tem. “E acreditamos que uma taxa nova seria repassada para consumidores”, completou. O órgão já submeteu pareceres e agora acompanha o desenrolar do tema. Breno Vale, diretor de projetos da Abrint, ressaltou que a entidade se posiciona contra a cobrança de qualquer tipo de taxa de rede.
“Até porque não sabemos qual problema tem de ser resolvido. Imagina se os provedores de internet regionais precisassem fazer acordo com as empresas? E nada seria benéfico para o usuário final. A internet no brasil nasceu por causa do conteúdo, sem conteúdo não tem internet. O problema pode ser na rede móvel, mas não na fixa, porque a banda larga fixa suporta”, destacou o executivo da Abrint.
A Internet Society também se posiciona contrária ao fair share. Paula Bernardi, assessora-sênior de política e advocacy da Isoc, que representa a comunidade técnica, disse que a entidade, globalmente, defende que não deveria ser cobrada uma taxa de rede. “A Coreia do Sul implementou e teve impacto desastroso em mercados de vídeo e streaming. Aqui, no Brasil, participamos da tomada de subsídios e entendemos que quem gera o tráfego é usuário final que já paga por isso”, explicou. Bernardo reforçou o coro de que, havendo uma cobrança, isso recairia para o usuário final. “O impacto que vemos e o risco maior é que, se os serviços forem sobretaxados, esta taxa vai ser repassada para o usuário final”, assinalou.
Enfático, Alessandro Molon, diretor-executivo da Aliança para Internet Aberta, disse que a “taxa de rede é um erro e coloca em risco a economia brasileira”. A aliança representa as big techs, mas também tem entre os associados outros setores que oferecem conteúdo e serviços na rede, como associações de saúde digital e de educação privada, verticais que fazem um uso, cada vez maior, da rede. A Abrint e a Abranet também são associadas.
“A taxa de rede vai prejudicar a concorrência dos provedores de internet que têm CDNs e vão ter de pagar por isso. Essa taxa de divide entre as três grandes telcos de um lado e todos de outro”, disparou. “Na Coreia do Sul o resultado foi a perda da competitividade, então, usar o argumento de que fair share é para melhorar conectividade não é verdade”, completou.