Zero rating incentiva a disseminação das Fake News
Ao abrir um debate público sobre a regulação das plataformas digitais, o Comitê Gestor da Internet promoveu um dia de discussões sobre diferentes facetas desse universo. E uma das posições na discussão é como uma decisão tomada sob o viés econômico acabou se tornando um elemento que colabora para a disseminação de desinformação: a liberação do zero rating, o acesso patrocinado.
“A maioria da população brasileira tem acesso somente a três aplicativos patrocinados, todos do grupo Meta, que se tornam os principais vetores de desinformação e concentração de dados. Isso não acontece por direito divino. Acontece porque se considera compatível com a neutralidade de rede, uma prática contraria o Decreto de regulamentação do Marco Civil, que permite que somente alguns aplicativos sejam patrocinados enquanto todo o resto é pago”, destacou o professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV/Rio, Luca Belli.
O tema veio à tona após considerações da Anatel e do Cade durante o seminário promovido pelo CGI.br. O regulador de telecom sustentou que o tema do zero rating foi o único questionamento formal sobre violações à neutralidade de rede, prevista no Marco Civil (Lei 12.965/14) e que acabou sendo arquivado pela leitura de que não haveria violação. Mas como explicou o Cade, a análise passou longe da neutralidade.
“Essa discussão é um bom exemplo de como analisar o mesmo fenômeno, de contrato, de integração vertical, quando se adota o olhar frio de uma análise econômica tradicional em defesa da concorrência. Achar efeitos anticompetitivos em um acordo como esse pode ser extremamente complexo do ponto de vista de verificação de danos. E foi isso que aconteceu nesse caso. O Cade entendeu que ali não estava demonstrado um efeito anticompetitivo. O Cade não se pronunciou se o zero rating violava o Marco Civil ou seu decreto, apenas fez uma análise econômica”, apontou o conselheiro do Cade, Victor Fernandes.
Para o professor Luca Belli, no entanto, a prática do acesso patrocinado gera efeitos prejudiciais. “Esse sistema gera a seguinte externalidade negativa, a seguinte perversão: somente três aplicativos são subsidiados a 85% da população brasileira. Como mostra um belo estudo do IDEC com o instituto Locomotiva, de 2021, a população conectada das classes C, D e E usam esse tipo de plano. Ou seja, os cidadãos com condições econômicas menores somente tem acesso a essas redes sociais. Precisam pagar um valor enorme para ter aceso ao resto da internet, até para fazer fact checking para entender se o que foi compartilhado pelo tiozão é fake news ou verdadeiro, precisa pagar para acesso a cultura e tem fake news subsidiada. É um sistema totalmente insustentável.”