Anatel se antecipa a voto crítico no TCU e defende preços do leilão 5G
O placar no Tribunal de Contras da União sobre o leilão do 5G pode até estar definido nos 7 a 1 a favor do edital na forma proposta pela Anatel. Mas a agência ainda parece ressabiada com as críticas da área técnica encampadas pelo ministro Aroldo Cedraz e, a dois dias da conclusão na Corte de Contas, soltou mais uma nota de esclarecimento na qual defende a metodologia adotada para precificar as faixas de frequência em disputa.
Em especial, a Anatel mira na queixa contra a conclusão de que a oferta de 5G só seria economicamente viável no Brasil em 60 municípios – ficando de fora grandes centros com Brasília, Salvador e Curitiba, 3ª, 4ª e 8ª maiores cidades do país. Segundo a agência, o que a análise indica é que a dificuldade seria para novos entrantes no mercado, não para empresas já estabelecidas.
“Ao precificar utilizando-se da metodologia do entrante, a Agência não está chegando à conclusão de que a operação móvel é inviável em grandes cidades brasileiras, mas que empresas entrantes encontrarão maiores desafios para operar nessas cidades, dadas as premissas assumidas”, diz a nota da Anatel divulgada nesta segunda, 23/8.
A nota é expressamente uma resposta ao que a Anatel chama de “abordagens meramente intuitivas” em “questionamentos manifestados e notícias equivocadas”, ou ainda “mero palpite”. E aponta que a escolha pela precificação a partir de uma nova empresa é exigência do TCU.
“A Agência é vinculada, por premissa estabelecida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a elaborar seus planos de negócio para precificação de radiofrequência para licitações por meio de uma abordagem greenfield. Isto significa que os planos de negócio são feitos partindo-se da operação de uma empresa totalmente entrante no mercado e que só disporia da referida faixa de radiofrequências precificada para explorar seu negócio”, diz a nota.
Ademais, a Anatel já sabe que o voto de Cedraz, alvo de inédito cerceamento durante a votação do parecer sobre o edital na reunião de 18/8, vai apontar grande disparidade no preço mínimo. Técnicos da Corte de Contas que participam da preparação do voto a ser apresentado em 25/8 indicam que o valor dos preços mínimos, na leitura do ministro divergente, deveria ser praticamente o dobro dos R$ 45 bilhões estimados.
“Uma eventual supervaloração do espectro de radiofrequência é, ao mesmo tempo, um grande risco para o Brasil no sentido de (i) gerar lotes vazios, sem comprador, ou (ii) elevar os preços praticados pelas empresas no mercado, afastando os ganhos advindos da massificação da conectividade na sociedade brasileira. A sobrevalorização de espectros já se mostrou equivocada em casos fora do País, ao estrangular (ou constranger) o capital para investimentos e foi frustrante para os interesses da sociedade de contar com serviços de qualidade a preços justos”, diz a Anatel.
Eis a íntegra da nota:
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ante questionamentos manifestados e notícias equivocadas acerca de determinados pontos do estudo de precificação relativo ao Edital do 5G (processo nº 53500004083/2018-79), presta à sociedade os esclarecimentos seguintes, necessários diante da complexidade do tema, que vai além de abordagens meramente intuitivas.
Sobre a metodologia de precificação
o O processo de precificação de uma faixa de radiofrequências consiste em elaborar um plano de negócios com o intuito de se estimar o valor econômico esperado para o serviço a ser prestado pelo agente vencedor do certame utilizando-se da referida faixa. O valor econômico obtido (denominado Valor Presente Líquido – VPL) é o preço mínimo;
o Assim, esse plano de negócios traz consigo estimativas relacionadas a demanda e receitas advindas do serviço em questão, bem como às despesas e aos investimentos necessários para a prestação desse serviço;
o Essas estimativas são feitas no horizonte de tempo da outorga de uso da faixa, no caso em questão, de 20 anos, tomando em conta o custo de oportunidade para o agente prestador;
o A Anatel sempre utilizou as melhores práticas internacionais e os melhores métodos para precificação do espectro radioelétrico. Essas metodologias de precificação vêm sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo de modo a refletir as evoluções no setor de telecomunicações;
o Todas as premissas utilizadas pela Anatel em seus cálculos passam por profundo escrutínio, de modo a minimizar os erros de estimativa, e está respaldada em extenso acervo de dados extraídos do mercado brasileiro e mundial;
o A Agência é vinculada, por premissa estabelecida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a elaborar seus planos de negócio para precificação de radiofrequência para licitações por meio de uma abordagem greenfield. Isto significa que os planos de negócio são feitos partindo-se da operação de uma empresa totalmente entrante no mercado e que só disporia da referida faixa de radiofrequências precificada para explorar seu negócio;
o Assim, a precificação deve considerar a hipótese de que um novo interessado em operar no mercado brasileiro de telecomunicações móveis deverá construir sua rede do zero, sem considerar qualquer tipo de infraestrutura prévia. Logo, é evidente que uma hipotética empresa entrante deva realizar maiores investimentos do que uma empresa que já opera no mercado. Desse modo, os resultados encontrados em um plano de negócios para uma entrante podem ser mais desafiadores do que para empresas já constituídas;
o Existem economias de escala e escopo que não são encontradas nas redes de operadoras entrantes, e que se verificam nas redes das operadoras já constituídas, que já detêm rede e outras faixas de espectro de radiofrequências.
Sobre o princípio da isonomia do certame licitatório
o A premissa de precificação para uma empresa entrante, utilizada em editais de licitação, pretende habilitar a participação do maior número de competidores no processo licitatório. Segundo a teoria econômica, em uma transação econômica com externalidades, em que os direitos de propriedade são bem definidos e que parte de preços iniciais justos, que permitem a competição de preços entre os interessados, o procedimento licitatório é o mecanismo que levará à solução ótima para a sociedade. Caso contrário, se fosse utilizado um modelo de precificação no qual se avaliasse o valor do espectro de radiofrequências para empresas já consolidadas, a licitação apresentaria valores mínimos que somente permitiriam a competição por aquelas empresas que já estão tradicionalmente operando no mercado – sendo essa uma distorção afastada pela metodologia empregada pela Agência;
o Tendo em vista que os preços mínimos são determinados sob preponderância do princípio da isonomia do certame, caso alguma empresa consiga ser mais eficiente e pagar por um valor maior do que o inicialmente estabelecido, o mecanismo do leilão fará eventuais “correções”, como ocorre em qualquer licitação pública que preze por tal princípio.
Sobre a sintonia com licitações semelhantes ao redor do mundo e coerência no preço mínimo encontrado
Os preços mínimos encontrados pela Anatel encontram-se totalmente aderentes aos preços verificados em outras licitações semelhantes em outros países, de modo que, se os valores da Agência estivessem subvalorizados, não se poderia verificar tal sintonia com o cenário internacional. Assim, qualquer especulação acerca de dano ao erário, nessa perspectiva, se fundamenta em mero palpite não fundamentado ou desconhecimento do assunto;
o Deve-se também levar em consideração que a prestação do 5G exigirá elevada densificação de estações rádio base, e que será muito mais intensiva em investimentos do que foram as tecnologias 3G e 4G – fato que é também refletido pela metodologia de precificação da Anatel;
o Ao precificar utilizando-se da metodologia do entrante, a Agência não está chegando à conclusão de que a operação móvel é inviável em grandes cidades brasileiras, mas que empresas entrantes encontrarão maiores desafios para operar nessas cidades, dadas as premissas assumidas. Portanto, os resultados de viabilidade econômica encontrados estão aderentes com aquilo que se espera de uma operação altamente intensiva em investimento, considerada para uma entrante que somente possuirá a faixa de radiofrequência que está licitando para operar;
o Em uma modelagem greenfield, justamente por pressupor a realização de investimentos na integralidade de uma nova rede, é normal que muitos municípios, até mesmo a grande maioria deles – inclusive capitais de estado –, apresentem resultado negativo para um determinado intervalo temporal, razão pela qual não é comum a entrada de um novo operador no Brasil. Essa modelagem está respaldada por um extenso acervo de dados, e não significa que não haja cobrança pela utilização das faixas nesses municípios, vez que a modelagem dos lotes é feita considerando toda sua extensão territorial (nacional ou regional). Frisa-se que tal lógica foi detalhadamente examinada e não foi objeto de contestação pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU);
o Os resultados da precificação poderiam ser muito distintos, privilegiando maiores preços mínimos, caso a precificação tomasse como referência a operação de empresas já estabelecidas no mercado e que possuem ganhos de escala e escopo em sua operação;
o Na primeira licitação da faixa de 700 MHz, em 2014, a Anatel discutiu, inicialmente, utilizar um modelo de precificação que levasse em conta o contexto de uma operadora já estabelecida. No entanto, essa possibilidade foi rechaçada pelo próprio TCU (ver Acórdão Plenário 2301/2014);
o Uma eventual supervaloração do espectro de radiofrequência é, ao mesmo tempo, um grande risco para o Brasil no sentido de (i) gerar lotes vazios, sem comprador, ou (ii) elevar os preços praticados pelas empresas no mercado, afastando os ganhos advindos da massificação da conectividade na sociedade brasileira. A sobrevalorização de espectros já se mostrou equivocada em casos fora do País, ao estrangular (ou constranger) o capital para investimentos e foi frustrante para os interesses da sociedade de contar com serviços de qualidade a preços justos.
Sobre o reconhecimento internacional da modelagem utilizada
o As premissas utilizadas na precificação do Edital 5G correspondem àquelas recomendadas no Manual de Planejamento para Modelagem de Negócios de Infraestrutura de Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC (ICT Infrastructure business planning toolkit 2019). O Manual, elaborado pelos técnicos que coordenaram os estudos de precificação realizados pela Anatel, com menção honrosa na abertura do trabalho, foi produzido e disponibilizado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), órgão das Nações Unidas para o setor, como guia global de metodologia de avaliação econômica para reguladores – recomendado pela UIT para aplicação por todos os países;
o Em 2020, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) concluiu sua Avaliação sobre Telecomunicações e Radiodifusão no Brasil, consubstanciada em detalhado relatório, o qual aponta pontos fortes e fracos da atuação dos diversos órgãos públicos sobre esses setores e apresenta recomendações de aprimoramento em suas atuações. A gestão de espectro realizada pela Agência, incluindo seu planejamento e alocação, foram avaliados positivamente e não foram feitos quaisquer reparos ou recomendações de ajustes quanto à modelagem de precificação dos editais;
o A Anatel possui um corpo técnico altamente especializado em telecomunicações e na elaboração de planos de negócio para o setor de telecomunicações. A equipe responsável pela elaboração do Edital do 5G é formada de profissionais altamente qualificados, incluindo diversos mestres e doutores em suas áreas de especialidade (engenharia, economia, direito etc.), e servidores que são referência internacional nos mais diversos temas relacionados ao ambiente das telecomunicações.