
Há três décadas, a Estônia fez da digitalização uma política de Estado e hoje é referência mundial em governo eletrônico. Em visita ao Brasil, Petra Holm, assessora de Transformação Digital do e-Estonia Briefing Centre, relatou como o pequeno país báltico – que em 1991 recuperou a independência após a ocupação soviética – optou por reconstruir-se sobre bases tecnológicas.
“O país era um exemplo de sistema fracassado. Quando ganhamos de volta a independência, optamos por criar não um Estado burocrático tradicional, mas um Estado eficiente, apoiado em tecnologia”, disse. A decisão, tomada quando a internet começava a se expandir, contou com o retorno de profissionais especializados e foi abraçada como estratégia nacional, não como projeto lateral.
Mesmo com poucos recursos antes da entrada na União Europeia, em 2004, a Estônia priorizou a digitalização e mobilizou o setor privado. Bancos e empresas financiaram treinamentos gratuitos para alfabetização digital, inclusive para idosos, e executaram os projetos de infraestrutura. Essa parceria, afirma Holm, criou competências que hoje são exportadas pelo país.
A estrutura do governo digital estoniano se apoia em três pilares: um identificador digital único e obrigatório para todos os cidadãos (adotado em 2002), uma plataforma de interoperabilidade de dados – o X-Road – que conecta bases descentralizadas sem concentrar informações sensíveis, e políticas robustas de cibersegurança, incluindo educação contínua em “higiene digital”.
“Um Estado digital funcional se apoia essencialmente em três componentes”, explica Petra Holm. “O primeiro é um identificador digital único para cada cidadão, usado em qualquer serviço federal ou estadual. Na Estônia, o EID foi implantado de forma obrigatória em 2002, garantindo que todos pudessem se autenticar online. O segundo é uma plataforma de interoperabilidade, que conecta bases de dados descentralizadas sem criar um superbanco de informações vulnerável a ataques; no nosso caso, o X-Road permite que, ao acessar um serviço, os dados fragmentados de uma pessoa sejam reunidos de forma segura e exibidos de maneira simples e intuitiva. E o terceiro é a cibersegurança, que precisa estar presente desde o desenho das soluções, com investimentos contínuos em tecnologia e treinamento para proteger dados e garantir a confiança da população”, destacou.
Holm destacou ainda soluções de soberania de dados, como a “embaixada de dados” – um servidor com status diplomático em Luxemburgo que armazena cópias dos bancos de dados mais sensíveis, prevenindo perdas em caso de ataques ou crises.
Hoje, a Estônia oferece versão digital para 100% dos serviços federais e aposta na inteligência artificial para personalizar interações, ganhar eficiência e manter a quantidade de servidores públicos enquanto expande a oferta de serviços. O país já introduz o ensino de IA nas escolas e universidades e trabalha em um assistente virtual estatal capaz de antecipar demandas do cidadão.
A experiência estoniana também ensina, segundo Holm, que é preciso evitar a simples cópia de tecnologias antigas, “saltar etapas” e envolver academia, empresas e sociedade na definição de prioridades, com responsabilidades claras entre os níveis de governo.
“O mais importante é conquistar a confiança da população”, disse. Para isso, os serviços devem ser tão intuitivos “quanto usar o Instagram ou o TikTok”. No início, até decisões internas do governo foram digitalizadas para dar o exemplo – como o “e-Cabinet”, que reduziu reuniões de cinco horas para 15 minutos. “Quando as pessoas veem seu dinheiro sendo usado de forma mais eficiente, elas se engajam. O futuro é brilhante”, concluiu.