O combate à informalidade e à criminalidade no setor de telecomunicações passa pela fiscalização do mercado de banda larga no atacado, defende o presidente executivo da Associação Neo, Rodrigo Schuch. O tema foi discutido nesta terça, 21/10, no Evento Neo 2025, em Salvador-BA e já ganhou apoio na Anatel.
“Um dos mecanismos mais eficientes que a gente pode trabalhar são os atacadistas de banda. No final do dia, para sair na internet, todo provedor precisa de um atacadista. Essas empresas concentram mais de 90% de todo o tráfego nacional. Trabalhar com elas, de forma colaborativa com o regulador, pode nos ajudar a identificar quem está formal e quem está operando à margem da lei”, afirmou o presidente da Associação Neo, Rodrigo Schuch.
O executivo explicou que a Neo tem dialogado com a Anatel, o Ministério Público e outras entidades para criar um laboratório de rastreamento e combate à informalidade e à criminalidade, inspirado na experiência bem-sucedida de repressão à pirataria de conteúdos digitais. O espaço teria participação do setor privado e serviria para cruzar dados de mercado e identificar redes clandestinas.
“Estou sugerindo a criação de um laboratório, como foi feito na questão das bets ilegais, em que já existe uma cooperação entre Ministério da Fazenda e Anatel. A solução de combate aos provedores ilegais pode ser viabilizada muito mais pelo lado do atacado. Fiscalizar 20 mil empresas é uma dificuldade gigantesca. Mas como mostra a experiência da Receita Federal, a fiscalização pode se concentrar onde a gama e o escopo das pessoas que são fiscalizáveis são menores. É uma bela solução de criar uma regra no atacado, uma regra de diligência no momento que é feita a contratação. E construir uma obrigação a quatro mãos com o setor para que de fato a gente tenha uma solução efetiva”, disse o conselheiro da Anatel Edson Holanda.
Durante o painel “Informalidade e criminalidade em telecomunicações” no Evento Neo 2025, a diretora jurídica e de relações institucionais da Alares, Paloma Mansano, destacou que o problema já é consenso no setor. “Seja por uma questão de distorção de preços que a gente não consegue competir, seja por uma questão de segurança pública, pela segurança até dos nossos funcionários, tem um impacto que vai muito além da questão comercial porque cria um ambiente muito inseguro também no ponto de vista de investimento.”
Para Cristiano Santana, fundador da Zaaz Telecom e membro do conselho da Associação Neo, os incentivos regulatórios multiplicaram o setor, o que foi positivo. Mas a informalidade também é resultado de questões tributárias e dos custos de investimento. “A Anatel fomentou esse mercado, liberando da licença. E o Brasil viu serem criadas diversas companhias, com muitas delas fazendo a lição de casa. Mas a informalidade também tem um caráter tributário, como as limitações do Simples. E resvala na questão da pirataria, porque boa parte desse mercado irregular é fornecedor de entretenimento pirateado. E, portanto, tem aí uma receita que não é capturada. Mas estou otimista com as medidas tomadas pela Anatel e acho que tem um caminho aí.”
A Anatel reverteu a dispensa de outorga e deu prazo até 29 de outubro para regularização das prestadoras do Serviço de Comunicação Multimídia. Faltando uma semana para o fim do prazo, 5,8 mil empresas ainda não pediram a regularização. O superintendente executivo da agência, Gustavo Borges, reforçou que a política de promoção da competição não será revertida, mas que o cenário atual exige medidas “antidumping” para conter a concorrência desleal. “A informalidade gera distorções graves. Quando um provedor não paga metade dos custos tributários e regulatórios, consegue praticar preços artificiais, levando o consumidor a migrar. Isso quebra quem faz o certo e estimula o errado”, afirmou.
O promotor de Justiça do MPDFT, Leonardo Otreira, reforçou a gravidade da infiltração do crime organizado no setor, lembrando que a atuação de provedores clandestinos deixou de ser algo pontual e passou a integrar o modelo econômico de facções criminosas. “O que antes era visto como o ‘Gatonet romântico’ virou um negócio milionário que financia armas, drogas e a expansão territorial dessas organizações. Há casos em que prestadores legais são impedidos de acessar suas próprias redes. É um problema de segurança pública, e não apenas regulatório”, disse.
Otreira revelou que o Ministério Público e a Anatel estão estruturando um acordo de cooperação técnica nacional para mapear e combater a criminalidade nas telecomunicações. A ideia é capacitar promotores estaduais e forças de segurança para agir em conjunto com o regulador. “O Estado precisa recuperar o controle de áreas onde hoje nem ele, nem o setor privado conseguem entrar. Não dá para cobrar das empresas o que só o Estado pode garantir: segurança”, concluiu.
O combate à clandestinidade deve levar em conta que os incentivos à proliferação de provedores fizeram do Brasil um caso de sucesso mundial. “Em 2015, o mercado brasileiro tinha 20 milhões de banda larga. Hoje, temos 52 milhões, que na verdade poderiam ser 65 milhões. Somos o terceiro país em conectividade de banda larga fixa do mundo, a gente só fica atrás da China e dos Estados Unidos. Não somos o terceiro país em PIB, nós não somos o terceiro país em população, nem em extensão territorial, mas somos o terceiro país em conectividade de banda larga fixa. Isso mostra que é um modelo de sucesso. Isso deve ser preservado. Mas chegou a hora de dar o próximo passo: a regularização”, concluiu o presidente da Associação Neo. Assista a íntegra da entrevista com o presidente da Associação NEO, Rodrigo Schuch.
*Jornalista viajou a Salvador a convite da Associação NEO