Ações no STF pedem suspensão da MP que repassa dados pessoais ao IBGE
Pelo menos duas ações já questionam no Supremo Tribunal Federal a Medida Provisória 954/20, pela qual Jair Bolsonaro determinou às operadoras de telefonia que repassem, nome, telefone e endereço de todos os clientes, pessoas físicas ou jurídicas, ao IBGE. Com argumentos semelhantes, as ações reclamam da transferência massiva de dados pessoais, sob justificativa vaga, além de questionável por se propor a municiar o instituto para algo que ele já faz.
“São contundentes os fundamentos que ressaltam a elevada gravidade da disponibilização irrestrita de dados dos brasileiros vinculados a serviços de telecomunicações no país, o que, na realidade atual, representa quase a totalidade da população brasileira. A disponibilização dos dados pessoais de tão grande número de brasileiros representa verdadeira ameaça ao sistema democrático do país”, aponta a petição do PSB, assinada, entre outros, pelo advogado e professor Danilo Doneda.
Como insiste, “ao promover a disponibilização desregulamentada de dados pessoais, a MP 954 possibilita a criação de uma estrutura contemporânea de vigilância da população por parte do Estado brasileiro, concedendo ao governo o acesso a informações relevantes dos cidadãos que, dadas as tecnologias atualmente disponíveis, poderiam viabilizar ilegítimas interferências sobre tais indivíduos”.
“É imperioso ressaltar que a determinação de compartilhamento realizada pela Medida Provisória diz respeito a dados não anônimos e que permitem a verificação do local de residência de seus titulares, configurando-se inequivocamente como dados altamente relevantes e, portanto, merecedores da mais elevada proteção”, lembra ainda o pedido do PSB. E, pior, como a Lei Geral de Proteção de Dados “ainda não entrou em vigência, atualmente inexiste qualquer outro dispositivo legal que discipline a proteção de dados no setor público”.
Outro ponto levantado nas duas ações é o objetivo pouco específico da medida. A MP 954 diz que os dados “serão utilizados direta e exclusivamente pela Fundação IBGE para a produção estatística oficial”. “A norma foi extremamente inespecífica ao tratar das finalidades para as quais serão empregados os dados cuja transferência é requerida” e “confere verdadeiro ‘cheque em branco’ para a utilização dos referidos dados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia Estatística”.
Ou, como aponta a Ordem dos Advogados do Brasil, “a Medida Provisória em análise viola o sigilo de dados dos brasileiros e invade a privacidade e a intimidade de todos, sem a devida proteção quanto à segurança de manuseio, sem justificativa adequada, sem finalidade suficientemente especificada e sem garantir a manutenção do sigilo por uma Autoridade com credibilidade, representatividade e legitimidade”.
A OAB aponta também para o risco de uso politico dos dados, visto que “o fato de a estrutura do IBGE ser formada essencialmente por cargos em comissão, de livre nomeação pelo chefe do Poder Executivo, não permite concluir que a sociedade brasileira estará segura quanto ao uso adequado de seus dados. Isso porque os cargos de nomeação política trazem em si um compromisso político entre o nomeado e o nomeante”.
Para completar, é questionável a própria necessidade desses dados pelo IBGE. “Chama a atenção ainda o fato de que as pesquisas estatísticas efetivadas pelo IBGE são realizadas de forma amostral. Nessa esteira, o Instituto informa em comunicado que para a realização do PNAD, por exemplo, são entrevistadas cerca de 70 mil pessoas por mês. Diante desse quadro, colocam-se fundadas dúvidas acerca da efetiva necessidade de obtenção dos dados de quase de 260 milhões de contas de telefonia fixa e móvel. Além disso, há diversas pesquisas do IBGE que, mesmo antes da pandemia, já eram realizadas de forma remota através do Centro de Entrevista Telefônica Assistida por Computador (CETAC), o que também corrobora a capacidade do Instituto de manter suas atividades de pesquisa nesse cenário.”