Guerra dos chips para alunos trava R$ 3,5 bilhões a cinco meses do prazo final

A combinação de uma nova tecnologia e um modelo de negócios diferente provocou uma guerra no setor de telecomunicações brasileiro. A disputa é entre Vivo, Claro, TIM e operadoras virtuais (MVNOs) contra a empresa Base Mobile. Mas as vítimas diretas são pelo menos 1,2 milhão de alunos e professores de escolas públicas que deveriam ter conectividade internet garantida com R$ 3,5 bilhões em recursos públicos. 

O cerne da disputa envolve uma empresa que não é de telecomunicações, a Base, como vencedora de licitações para fornecer conectividade internet a alunos e professores de escolas públicas. O que a empresa tem é uma solução digital para gerir essa conectividade, notadamente para filtrar conteúdos não educacionais, capacidade que foi exigida em alguns editais. E assim ela venceu licitações como a do Amazonas (R$ 109 milhões) e de Alagoas (R$ 69 milhões), sustentada em um plano de negócios pelo qual seria capaz de comprar chips das teles móveis. 

O dinheiro em si já foi uma luta política – o então presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar a destinação, e tentar evitar no STF, mas o Congresso manteve os recursos na Lei 14.172/21, em projeto nascido para viabilizar aulas durante a pandemia de Covid-19. E desde que efetivamente válida desde junho de 2021, estados e municípios começaram a providenciar as contratações. Em alguns casos, as teles venceram. Mas nem em todos. 

As três grandes teles recusaram vender os “chips” e alegam, sem meias palavras, que as licitações foram direcionadas, ilegais e, em alguns casos, impediram que elas mesmas participassem da disputa. Como visto nesta terça, 20/6, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, repetiram acusações de “editais eivados de irregularidades”, “editais que não cumprem a lei”, “editais dirigidos”.  Elas sustentam que o modelo da Base Mobile é irregular porque a empresa não é telecom, mas SVA, e que a oferta nos moldes pretendidos constitui serviço clandestino. Procurada pela Base, a Anatel determinou que, diante do risco de atraso na conexão das escolas, as teles fornecessem a conectividade. Até agora isso não aconteceu. 

Como destacou o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, na mesma audiência, a reclamação das teles está mal posicionada. “Fizeram inúmeras representações contra os editais, mas elas não foram bem sucedidas. Portanto, a Anatel presume que os editais estão corretos. Até porque não existe nenhuma decisão judicial em sentido contrário. O assunto que chegou à Anatel foi a recusa de um produto, no caso perfil elétrico, como um simcard. Um produto que é possível adquirir em qualquer loja, com a única diferença que se trata uma compra de milhares de simcards”, disse Baigorri. 


Paralelamente ao programa de gerenciamento de conectividade, a Base também se vale do avanço tecnológico dos chips. Gradativamente os chips atuais que são inseridos nos dispositivos vão desaparecer, sendo substituídos por e-sims, chips virtuais. A conectividade, aí, depende de um código de acesso a esse novo chip que não é bem um chip. A Base chama esse código de perfil elétrico. As teles dizem que não vendem perfis elétricos. Mas a Anatel entende que a lógica é a mesma do chip. 

Ressalte-se que a agência ainda não tem um juízo sobre o mérito da disputa. Até aqui, duas cautelares – uma da área técnica, outra do próprio Baigorri – determinam que as empresas forneçam o insumo necessário à Base. E por força do processo a partir da reclamação da Base, há uma tentativa de mediação em andamento. Houve uma reunião há 20 dias para uma primeira tentativa. Ficou acertado que as teles vão fornecer alguns “chips” nos próximos dias. 

Enquanto isso, o sindicato nacional das teles, a Conexis, fez uma representação no Tribunal de Contas da União para tentar derrubar as licitações. As empresas torcem que as licitações vencidas pela Base sejam anuladas e outras realizadas no lugar, desta vez com espaço para elas próprias na disputa. O problema é o prazo. A Lei 14.172/21, que destina até R$ 3,5 bilhões para custear a conectividade de escolas públicas, só prevê esse uso até 31 de dezembro de 2023. 

Na essência, as operadoras sustentam que a Base atua como operadora virtual – no sentido de fornecer um serviço através da rede de terceiros – mas sem ser efetivamente uma MVNO e muito menos ter licença para atuar como prestadora de telecomunicações. Daí que as próprias MVNOs aderiram à queixa, por entenderem um ataque ao seu modelo de negócios. 

A Base enxerga outro cenário, no qual é ela, Base, a cliente das teles. Assim, montou um plano baseado em que chips de celular podem ser comprados em qualquer esquina, como de fato o são diariamente. A diferença é que ela quer 650 mil chips, divididos entre Vivo, Claro e TIM, únicas teles nacionais do país. No mais, tem a mesma expectativa de qualidade de qualquer um que compra chip. 

A Anatel se apega ao prazo de 31 de dezembro próximo para manter que a conectividade deve ser fornecida, de forma a garantir a política pública definida em lei. “Está muito claro que há um interesse público na execução dessa política de levar conectividade para alunos pobres e isso não pode deixar de ser cumprido por eventuais razões burocráticas que possam aparecer”, resumiu Baigorri. 

Na audiência na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, as críticas das teles ganharam maior vocalidade pela própria quantidade de representantes. Mas assim como acusam as secretarias de educação estaduais de editais ilegais, também elas serão investigadas por eventual conduta anticompetitiva e tentativa de fechamento de mercado – o caso já foi encaminhado pela Anatel ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). 

É que com a premissa de que as licitações são válida até prova em contrário, a Anatel admite a possibilidade de estar diante de um novo modelo de negócios potencialmente possível. E é isso que será discutido na avaliação de mérito da queixa administrativa aberta pela Base. 

“Essa decisão não é trivial. Acusam de revenda irregular, mas muita coisa pode dizer que é revenda. O Senado Federal tem um plano corporativo. O Senado faz acordo na Vivo e compra vários simcards, para que vários servidores possam usar o serviço. Isso é revenda? Não. É um plano corporativo que compra em grande volume. Quem é o cliente? Se o senador quiser levar na Vivo, não consegue. O cliente é o Senado Federal. Tem planos corporativos de cooperativa de taxi. É revenda da conectividade? Sou cliente pré pago. Estou sem pacote de dados, mas consigo acessar o home banking do Santander. O Santander esta fazendo revenda de conectividade? Tem outorga? O mercado de telecomunicações tem diversas inovações que cabe à Anatel interpretar. É o que nós vamos fazer”, completou Carlos Baigorri.

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