O Ministério Público Federal (MPF) entrou, nesta terça-feira (4), com pedido na Justiça Federal para reforçar e complementar os pedidos da Defensoria Pública da União (DPU) em ação pela condenação do Estado do Pará pela publicação de vídeo em que o governador do estado, Helder Barbalho, propaga desinformação contra povos indígenas mobilizados pela manutenção da educação presencial.
Além das duas inverdades já citadas pela DPU na ação – de que jamais teria havido a possibilidade de ensino virtual indígena e de que, nas tratativas de negociação, o governo do Pará teria atendido 100% das demandas das comunidades indígenas –, o MPF aponta à Justiça estas outras três fake news:
a de que os manifestantes que ocupam a sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) representam apenas uma etnorregião do estado do Pará;
a de que o movimento de ocupação causou danos ao prédio público da Seduc;
e a desinformação de que os funcionários da Seduc estão impedidos de trabalhar por causa da ocupação.
Desqualificação proposital
Segundo o MPF, a alegação de que a ocupação da Seduc representa apenas uma etnorregião é uma tentativa de desqualificar a legitimidade das representações indígenas presentes. A manifestação, que teve início em 14 de janeiro, conta com a participação de lideranças de diversas etnias e regiões do estado, incluindo Arapyun, Jaraki, Tupinambá, Munduruku, Munduruku Cara-Preta, Borari, Tupayú, Maytapú, Sateré-Maué, Tapuia, Kumaruara, Wai-Wai, Katwena, Xerew, Hiskaryana, Mawayana, Paritwoto, Tikyana, Kaxuyana, Tiriyó, Xikrim, Tembé e Warao.
O MPF destaca que os povos indígenas que ocupam a Seduc manifestaram repúdio à proposta do governo estadual de criação de um Grupo de Trabalho para discutir a nova lei, por meio de uma carta aberta. Lideranças da etnia Tembé, localizada na região nordeste do estado, também emitiram um manifesto de repúdio à criação unilateral do Grupo de Trabalho, alegando falta de legitimidade representativa em sua composição.
A pauta da ocupação é clara: a revogação da Lei Estadual nº 10.820, de 19 de dezembro de 2024, promulgada sem consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais do Pará, e a exoneração do atual secretário de educação do Estado, Rossieli Soares da Silva. O MPF ressalta que a ocupação da Seduc é um ato legítimo de protesto contra medidas que afetam diretamente os povos indígenas.
“Ao Estado não é autorizada a intromissão na estrutura de organização social e política dos povos indígenas – especialmente sob o pretexto de pôr fim à mobilização por ampla e legítima reivindicação de direitos à educação de qualidade, presencial e diferenciada etnicamente. Essa incursão viola o princípio da autodeterminação dos povos, de base constitucional expressa”, alertam procuradoras e procuradores da República de todo o Pará.
Sem dano
O MPF afirma que a ocupação é pacífica, organizada e sem qualquer depredação patrimonial, atos de violência ou excesso no direito de manifestação. As lideranças indígenas, com representações pluriétnicas de diversos povos de diferentes regiões do Pará, estão nas dependências da Seduc expressando sua legítima reivindicação por direitos, realizando reuniões entre si e com instituições, assim como manifestações ritualísticas, com indumentárias tradicionais ancestrais e uso de instrumentos de canto.
A inspeção judicial realizada na última sexta-feira (31), na sede da Seduc, acompanhada pelo MPF, DPU, Procuradoria-Geral do Estado, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), demonstrou que a ocupação, após 18 dias, não causou qualquer dano ao patrimônio público, cujos problemas estruturais, como rachaduras e vazamentos, são decorrentes do próprio descaso com o prédio. O MPF argumenta que a alegação de danos ao patrimônio serve ao interesse de estigmatizar os ocupantes como pessoas violentas e inflexíveis ao diálogo, devendo haver retratação.
O MPF contesta a alegação de que a ocupação impede totalmente o funcionamento da Seduc, afirmando que a secretaria pode continuar operando concomitantemente com a presença da manifestação pacífica. A alegação de obstrução total visa unicamente criar um falso cenário de caos para mais uma vez estigmatizar a manifestação indígena.
Segundo o MPF, a fala do governador de que a ocupação do órgão impede totalmente a prestação de serviço na segunda maior secretaria de Estado não é verdadeira. A ocupação não impede o funcionamento da secretaria e a prestação do relevante serviço público educacional, devendo haver retratação também nesse ponto, defende o MPF.
“O cenário posto, portanto, corrobora o contexto fático diametralmente oposto àquele ofertado pelo pronunciamento do governador Helder Barbalho, tornando falsas suas alegações, notadamente considerando os valores constitucionais da liberdade de reunião, manifestação e controle social de políticas públicas, por comunidades tradicionais diretamente afetadas por elas”, conclui o MPF.
O MPF pede à Justiça que sejam consideradas todas as cinco fake news e que o MPF seja incluído no processo como coautor da demanda judicial.
Por fim, o MPF reforça os pedidos da DPU, para que:
O Estado do Pará e a empresa Meta, responsável pelo Facebook e Instagram, sejam obrigados a excluir o vídeo;
Jader Barbalho seja obrigado a se retratar nas redes sociais;
as comunidades indígenas possam apresentar direito de resposta nas redes sociais do governador;
o Estado do Pará tenha que excluir outros conteúdos falsos;
a Funai seja obrigada a proteger a honra e integridade das comunidades indígenas vítimas de notícias falsas em relação ao movimento de ocupação da Seduc;
o Estado do Pará seja obrigado a pagar R$ 10 milhões por dano moral coletivo, valor a ser revertido para as comunidades indígenas que estão ocupando a Seduc.
Fonte: Ministério Público Federal