Ministério contrata nuvem que sequer controlará, pois será extinto
A pergunta que está no ar no setor de TICs é a seguinte: um ministério, em vias de ser extinto, pode fazer um pregão eletrõnico estimado em R$ 71 milhões de custo inicial para o governo? No entender do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e gestão, sim. Tanto que nesta quinta-feira (08/11), apesar dos protestos do mercado, realizará o pregão eletrônico 29/2018, sob grande suspeita de favorecimento à Microsoft, segundo empresas que disputarão o pregão, mas acreditam que já perderam antecipadamente para a multinacional.
E essas suspeitas partem de outras grandes empresas nacionais e internacionais, que já conseguiram até paralisar e obrigar o ministério a refazer em tempo recorde o edital. Mas, sem sucesso, não evitaram que o pregão siga em frente para que saia o contrato até dezembro deste ano, quando se encerrará o Governo Temer.
Quando confrontado com essa pressa em realizar um pregão para escolha de um provedor de serviços de nuvem para o governo, informalmente o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão alega que tem o amparo do Tribunal de Contas da União (TCU) no preparo do edital. Não é bem assim.
Falhas no edital
Se o edital estivesse 100% de acordo com o que determina o TCU em licitações públicas, não haveria motivos para no dia 16 de outubro o ministério suspender parcialmente o pregão para refazer o edital, em pelo menos dois dos 15 itens questionados em impugnação feita pela Telefonica Data S/A, interessada nos serviços de nuvem para o governo. Teria mantido o edital anterior com base no suporte dado pelo TCU ao documento.
Na realidade virou praxe em licitações polêmicas, com um mercado altamente competitivo e ávido pela disputa de um contrato governamental pelos próximos cinco anos, cabendo, inclusive, adesão de futuros entes federais não listados nesse pregão, os licitantes buscarem previamente uma espécie de amparo legal ao seu edital junto ao Tribunal de Contas da União. Porém, isso não significa necessariamente que o TCU aprovou o edital.
Apenas fez algumas orientações à luz da Lei de Licitações (nº8.666), sem necessariamente avaliar tecnicamente se o previsto no edital será o ideal para o governo. Aliás, um governo que ainda nem começou e não se sabe claramente que rumos tomará nessa área.
O tiro no escuro não leva em conta o que o futuro superministro da Fazenda (ou Economia) pensa do assunto, já que até agora em nenhum momento ele foi indagado sobre a questão. Porém há indícios de que, do ponto de vista do gasto público, o próximo governo poderá ter de pagar muito mais caro por um serviço do que deveria em condições normais de mercado.
O edital, em si, deixa margem para dúvidas se ele realmente foi estudado à fundo pelo atual ministério ou se foi redigido apenas com o único objetivo de dar à uma grande empresa o controle do mercado de nuvem federal. Por exemplo, nele constam como participantes do pregão eletrônico e interessadas em receber os serviços pelo preços estimados no edital, as instituições com cunho educacional, institucional e fundacional.Entre eles, a Fundação Escola Nacional de Administração Pública, Escola de Administração Fazendária/DF (Esaf), Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional, Instituto Federal de Educação Científico e Tecnológica do Piauí e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
“Essas instituições possuem políticas de preços diferenciados, em alguns casos com descontos de até 60% comparando o preço para governos e empresas. Por se tratar de serviços em nuvem alguns fabricantes como Amazon, Microsoft, Oracle, IBM, HP definem os valores em itens individuais. Serviços como DNS desconto de até 90%, BKP e VM possuem descontos significativos de até 60%”, alegou a Telefonica Data em seu pedido de impugnação do edital.
A Telefonica Data chegou a listar o prejuízo que o edital promoverá para o governo com essa contratação, em função da economia que hoje já ocorre quando os contratos são negociados diretamente pelas empredas com essas instituições federais:
1 – para as instituições educacionais e fundações pode-se chegar a uma economia de R$ 5 milhões
2 – para as instituições educacionais e fundações pode-se chegar a uma economia de até R$ 2 milhões
Sendo assim, é de se perguntar o que fazem essas instituições num pregão com registro de preços, se ganham muito mais quando negociam diretamente com os fornecedores desses serviços?
Direcionamento
Essa suspeita de direcionamento de edital começou a crescer quando o governo simplesmente mudou, sem maiores explicações, a proposta inicial de contratar serviços num ambiente de multinuvem. Tal restrição colocou a “pulga atrás da orelha” das empresas que esperavam participar desse projeto governamental. Afinal de contas – pensavam elas – se não tinham mais o direito de participar desse contrato, quem iria lucrar sozinha na esfera governamental por causa desse monopolio?
Os rumores começaram a crescer para o lado da Microsoft, quando a mudança de projeto foi anunciada em maio deste ano, data em que o governo alterou o projeto multinuvem para uma nuvem única. representantes de empresas que participaram do evento no Ministério do Planejamento, estranharam a forma como a Microsoft reagiu, ao ficar calada diante dos protestos de outros grandes players deste mercado.
Além da estranheza com essa pressa em contratar algo que sequer irá controlar, já que será extinto, o Ministério do Planejemento, Desenvolvimento e Gestão precisa explicar o que fará se esse único provedor de serviços eventualmente falhar, como a pane que ocorreu recentemente nos EUA com a plataforma Azure, da Microsoft. Além disso, esclarecer o porquê de pretender contratar software para gestão multinuvem, se o projeto mudou de forma intempestiva para uma nuvem única, controlado por um broker que tem a cara da multinacional de Bill Gates.
Planejamento responde ao Convergência Digital
O portal Convergência Digital publica a íntegra de carta encaminhada pelo Ministério do Planejamento:
Em resposta à notícia “Ministério contrata nuvem que sequer controlará, pois será extinto”, publicada em 7 de novembro pelo portal Convergência Digital, esclarecemos que o processo de licitação para o serviço de computação em nuvem conduzido pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão segue os trâmites estabelecidos pela legislação e em observância aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Ao contrário do que indica o texto, o processo destinado à contratação de um agente integrador responsável pela prestação do serviço de nuvem vem sendo conduzido dentro da normalidade e sem favorecimento a qualquer empresa competidora. Também a suposta pressa para a contratação do serviço indicada no texto da notícia não se sustenta, já que o projeto para a contratação do serviço, que se desenrola há mais de dois anos, foi iniciado em outubro de 2016.
Esclarece-se que a mudança no formato de contratação do serviços de computação em nuvem, de multinuvem para nuvem única, a partir de um agente integrador, foi realizada após reavaliação das capacidades da administração pública federal, com base em estudos de capacidade técnica e volumetria realizados pelo corpo técnico da equipe da Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação (Setic) do Ministério. Destaca-se, ainda, que o modelo passou por consultas públicas, com a realização de reunião aberta ao público que contou com a presença de diversos representantes de empresas do setor.
O Ministério, em seguimento à implementação das estratégias Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital) e de Governança Digital (EGD) do Poder Executivo Federal, continuará investindo na modernização do estado, com foco na transformação digital de políticas e de serviços públicos. Neste sentido, sabidamente a contratação de serviços de computação em nuvem é um elemento central para acelerar essa transformação e promover mais eficiência na alocação dos recursos de tecnologia.