
A inteligência artificial tem potencial para transformar a forma como governos prestam serviços públicos, tomam decisões e fortalecem a transparência, mas sua adoção ainda é limitada e enfrenta desafios estruturais. É o que mostra um novo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que analisou 200 casos de uso da tecnologia em diferentes países.
Segundo o estudo, 57% das iniciativas de IA em governos visam automatizar, simplificar ou personalizar processos e serviços, enquanto 45% apoiam atividades de análise, previsão e tomada de decisão. Outras aplicações, menos comuns, buscam melhorar a prestação de contas e a detecção de anomalias (30%) ou permitir que atores externos usem a infraestrutura de IA governamental (4%), como no caso da Grécia, que disponibiliza uma biblioteca digital de 50 mil publicações científicas por meio da plataforma DidaktorikaAI.
O Brasil não é membro da OCDE, mas tem vários usos citados no relatório. No governo federal, o uso de inteligência artificial é tratado no treinamento de pessoal pelo programa Capacita Gov, em recursos fiscais e na gestão tributária pelo Tesouro Nacional, no monitoramento de rodovias pela Agência Nacional de Transportes Terrestres e no controle de compras públicas com o sistema ALICE, que rastreia licitações.
Também são mencionados usos pelo Judiciário e Legislativo, com menção ao ChatTCU, criado pelo Tribunal de Contas da União. “A automação de tarefas repetitivas que exigem menor engajamento intelectual abrange diversos domínios, incluindo atividades judiciais repetitivas ou processos financeiros e de recursos humanos. Esse é o caso do Projeto de Litígios com IA no Brasil”, cita o documento.
Apesar do avanço, a OCDE aponta que o setor público ainda fica atrás do setor privado na adoção da tecnologia, em parte por obstáculos como escassez de profissionais qualificados, dificuldades no acesso a dados de qualidade, restrições orçamentárias e sistemas legados. Em 2023, apenas 15% dos governos possuíam uma estrutura formal de investimentos em IA, considerada essencial para orientar políticas e priorizar recursos.
O relatório destaca que os benefícios da IA também vêm acompanhados de riscos. Entre eles estão erros decorrentes de vieses nos dados, ameaças cibernéticas, riscos éticos relacionados a direitos individuais, ampliação das desigualdades digitais e perda de confiança por parte da população. A OCDE alerta que a dependência excessiva de sistemas automatizados pode reforçar falhas estruturais e reduzir a accountability governamental.
Para lidar com esses desafios, a organização recomenda que governos fortaleçam os chamados “habilitadores de IA” – como governança, dados, infraestrutura digital, capacitação de servidores, investimentos, mecanismos de compra pública e parcerias com o setor privado. Também orienta a criação de “guarda-corpos regulatórios” para garantir o uso confiável da tecnologia, em linha com princípios de transparência, proporcionalidade e gestão de riscos.
A OCDE ressalta ainda a importância de estratégias adaptativas e mecanismos de participação social para assegurar que a IA em governos seja projetada com foco nos cidadãos e nos diversos atores envolvidos. “O futuro da aplicação da IA ainda é incerto. Governos precisam de estruturas flexíveis para antecipar tendências e evitar que erros se cristalizem em políticas de longo prazo”, conclui o estudo.