PL das Fake News: Novo texto amarra rede social com celular e exige dados no Brasil
A nova versão do projeto de lei do Senado contra desinformação na internet, 2630/20, mais conhecido como PL das fake news, parece ter descartado parte dos problemas reclamados na versão anterior, ao mesmo tempo em que incorporou novos. Ideias como atrelar as redes sociais a números de celular e o resgate da velha proposta de exigir armazenamento de dados no Brasil já alimentam os pedidos por discussões mais aprofundadas da proposta.
“O relatório requer muitos aperfeiçoamentos e mais debate antes de ser votado”, diz, em nota, a Coalizão Direitos na Rede, que reúne 40 entidades de defesa de direitos digitais. E “sugere que o PL 2630/2020 não seja incluído na pauta de deliberações e que o Senado Federal se debruce com atenção sobre o relatório proposto, para evitar os enormes riscos que ele apresenta para a liberdade de expressão, a privacidade e a segurança dos usuários da internet no país”.
O “relatório” em questão é o texto que circula como a nova proposta do relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA) – e que, assim como a primeira versão, no início do mês, ainda não foi formalizada no Senado Federal. Não estão mais ali as ordens para que aplicações de internet monitorem o conteúdo postado. Mas o conjunto busca dificultar o anonimato, atrelando o uso de qualquer rede social ou aplicação de mensagem a um número de celular, por sua vez associado a um CPF ou CNPJ. E exigindo banco de dados no Brasil.
Nesse ponto, o PL vai da inconveniência da recriação de perfis online cada vez que houver troca de telefone – as operadoras devem informar os celulares desabilitados – à quebra da privacidade, passando por obrigações tecnológicas, como o envio de SMS, para confirmar uma associação questionável. “Ao condicionar a autenticação de contas em redes sociais a um número de celular, o relatório passa a trabalhar com uma lógica excludente de acesso às redes”, Alerta a Coalizão Direitos na Rede.
A segunda perna da proposta do relator é a rastreabilidade. E ela também tem problemas. É que além de exigir dos aplicativos “guardar os registros da cadeia de reencaminhamentos até sua origem”, determina o impossível aos provedores de conexão e de aplicações: a individualização inequívoca de quem é a pessoa usando um dispositivo informático em determinado momento. Para tanto, quer registros de conexão que “individualizem o usuário de um IP de maneira inequívoca”. O PL, no entanto, não se arrisca a revelar como.
O relatório tem, ainda, outros três pecados. Permite a suspensão dos aplicativos, em aparente desconhecimento de que o entendimento do Supremo Tribunal Federal caminha em sentido contrário. Criminaliza a veiculação de conteúdo que represente perigo à “paz social”, sem esclarecer o que isso significa. E ainda cria um ente público que já existe, um novo Comitê Gestor da Internet, atrelado ao Senado Federal. Afinal, o que mais seria um “conselho de caráter consultivo que terá como atribuição a realização de estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet”, com integrantes do governo, do mercado e da sociedade.
Talvez o desconhecimento sobre a existência explique porque, ao contrário do que foi sugerido pelo autor do PL 2630/20, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o CGI.br não chegou a ser consultado na construção da proposta legislativa. É certo que o CGI.br padece da espera burocrática da nomeação dos novos representantes eleitos, mas o Comitê Gestor até já emitiu posicionamento público sobre, surpresa, “projetos de lei que tratam dos processos de desinformação”.