TCU: Apesar do Gov.br, jovens pobres e falecidos “ativos” ainda emperram CPF como número único
Tribunal de Contas quer mudanças em sistemas de TI legados e nos registros de óbitos

A adoção do CPF como identificador único nos serviços públicos federais avançou de forma significativa, mas ainda esbarra em entraves técnicos, administrativos e sociais que dificultam o pleno cumprimento da Lei 14.534/2023. É o que aponta fiscalização realizada pelo Tribunal de Contas da União, que analisou como órgãos e entidades da administração pública federal vêm implementando a exigência do CPF como número suficiente de identificação do cidadão em bases de dados e documentos oficiais.
Segundo o TCU, a ampla utilização do login único do Gov.br já induz, na prática, o uso do CPF como chave principal de identificação. A plataforma, central no acesso aos serviços digitais do governo federal, utiliza o CPF como identificador primário para autenticação, o que facilita a conformidade com a lei. Além disso, a Secretaria de Governo Digital do Ministério da Gestão e a Receita Federal disponibilizam soluções tecnológicas, como APIs e o serviço b-Cadastros, que permitem a validação, em tempo real ou em lote, da situação cadastral e dos dados biográficos associados ao CPF.
O levantamento também identificou avanços na adequação de documentos de alta circulação. Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) Digital, Carteira Nacional de Habilitação (CNH), Cartão Nacional de Saúde, e-Título, diplomas de graduação e carteiras de identidade profissional já passaram a exibir o CPF, em conformidade com a legislação.
Restam, no entanto, desafios. Embora grande parte das instituições já tenha acesso às ferramentas de validação de CPF, a auditoria constatou que nem todas as exploram de forma efetiva. Entre os principais obstáculos está a complexidade de modernizar sistemas de informação antigos, concebidos sem o CPF como identificador central.
Soma-se a isso um extenso legado de dados com registros incompletos, inconsistentes ou sem CPF, o que exige esforços significativos de saneamento e qualificação das bases históricas. De acordo com o tribunal, esses problemas são reflexo de decisões passadas e da própria complexidade da administração pública.

A fiscalização também revelou inconsistências graves na base oficial do CPF. Um dos exemplos é a existência de registros de pessoas falecidas que ainda constam como “ativas” e “regulares” na base da Receita Federal, situação que pode resultar em pagamentos indevidos ou na manutenção irregular de benefícios. O risco é maior em órgãos que não têm acesso a bases mais completas, como o Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc).
Uma das encrencas é a ausência de exigência do CPF no registro de óbitos pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), gerido pelo Ministério da Saúde. Embora o ministério argumente que o foco do sistema é epidemiológico, o TCU avaliou que a inclusão do CPF seria estratégica para a administração pública como um todo, ao permitir o cruzamento de dados e a interrupção mais ágil de benefícios e pagamentos após o falecimento.
A auditoria identificou ainda falhas nos processos de validação e na gestão da qualidade dos dados, o que resulta em CPFs inválidos, duplicados ou associados a informações incorretas. Também foi constatada a inexistência de mecanismos eficazes de monitoramento, como relatórios gerenciais e painéis de indicadores, dificultando o acompanhamento contínuo da integridade das informações cadastrais.
A recomendação, assim, é pela adoção de estratégias que facilitem a obtenção ou regularização do CPF por cidadãos que buscam serviços públicos, especialmente entre grupos vulneráveis, de forma que ampliem progressivamente a cobertura do CPF e reduzam a necessidade de fluxos excepcionais e identificadores alternativos. E internamente, que os órgãos se coordenem com a Receita Federal e a SGD para a integração de seus sistemas de atendimento com os serviços de consulta, solicitação e regularização do CPF, de forma a acelerar a interoperabilidade governamental.
Entre as determinações, o TCU ordenou que o Ministério da Saúde torne obrigatório o campo CPF no Sistema de Informações de Mortalidade e recomendou que a Receita Federal passe a incorporar regularmente os dados de óbitos do Sirc à base do CPF. Para os demais órgãos, a orientação é reforçar os processos de validação e saneamento de dados e criar instrumentos permanentes de monitoramento da qualidade das informações.





