Fuga de cérebros e poucas patentes ameaçam papel do Brasil em inteligência artificial
Estudo da CGEE patrocinado pelo governo holandês reforça importância de implementação do PBIA

Infraestruturas de pesquisas concentradas, especialmente no Sudeste, e os eternos problemas de fuga de cérebros e baixa conversão de pesquisas em patentes são os principais obstáculos para o Brasil alcançar maior protagonismo no desenvolvimento da inteligência artificial. É o que aponta um estudo encomendado pelo governo holandês e realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), que traça um panorama do ecossistema brasileiro de IA, destacando avanços, desafios e oportunidades para o país se tornar um ator relevante nessa área estratégica.
Em “The Brazilian Landscape of Science, Technology and Innovation in Artificial Intelligence“, os dados apontam que o Brasil vem buscando se firmar como um dos principais centros de desenvolvimento de IA na América Latina e destaca alguns pontos positivos. Em especial, o país conta com uma rede de 144 unidades de pesquisa, com atuação particularmente relevante em setores estratégicos como ciências da vida, energia e agricultura. E tem a 13ª posição no ranking mundial de publicações científicas sobre inteligência artificial.
Apesar dos avanços, o estudo aponta desigualdades regionais, com a maior parte da pesquisa concentrada no Sudeste (especialmente São Paulo) e no Nordeste. Outro desafio é a baixa conversão de pesquisa em patentes: apenas 11% dos registros de IA no Brasil são de instituições nacionais, enquanto 89% vêm de multinacionais como Philips e Qualcomm.

O estudo também alerta para a fuga de talentos, com especialistas em IA sendo atraídos por oportunidades no exterior. Além disso, o Brasil ainda depende de tecnologias estrangeiras em infraestrutura crítica, como supercomputadores e modelos de linguagem avançados. A regulamentação incerta também é um ponto de interrogação. Embora o Marco Legal da IA (PL 2338/23) esteja em tramitação, sua implementação efetiva será crucial para garantir segurança jurídica e estimular investimentos.
PBIA
O documento reconhece, no entanto, que há um horizonte favorável, notadamente pela existência de um Plano Brasileiro de Inteligência Artificial – ainda que a iniciativa precise ganhar tração real. Com o PBIA, os recursos públicos destinados à IA devem alcançar a expressiva cifra de R$ 23 bilhões até 2028. O plano busca desenvolver infraestrutura, capacitação e aplicações setoriais, com ênfase em saúde, energia e inovação empresarial.E o destaque aí vai para a projeção de efeito multiplicador: cada real investido pelo setor público em IA deve atrair R$ 3,34 pelo setor privado.

O país possui uma base acadêmica relevante, liderando a produção científica em IA na América Latina, com cerca de 1,8% da pesquisa global na área. Universidades como USP, UFMG e UNICAMP se destacam, e os Centros de Pesquisa Aplicada (CPAs) em IA já mostram resultados em setores como saúde e agronegócio. Mas ainda há pouca participação do setor privado no desenvolvimento de IA, com investimentos modestos comparados a países como EUA e China. Enquanto empresas brasileiras investiram cerca de R$ 2,6 bilhões em 2022 (US$ 504 milhões), nos EUA esse valor ultrapassou R$ 240 bilhões (US$ 47 bilhões).
O relatório sugere que o Brasil pode explorar colaborações internacionais para superar limitações tecnológicas, especialmente em áreas onde já tem expertise, como em Saúde, com aplicações em diagnóstico médico e gestão hospitalar; energia e recursos naturais, levando em conta a experiência da Petrobras e de universidades em IA para eficiência energética; e em inclusão regional, com a expansão de centros de pesquisa para outras regiões, como Norte e Centro-Oeste.
Entre altos e baixos, o estudo conclui que o Brasil tem potencial para se tornar um hub de IA na América Latina, com políticas estruturadas e pesquisa de qualidade. No entanto, para competir globalmente, precisa reduzir desigualdades regionais, aumentar a inovação privada e fortalecer parcerias estratégicas. O caminho para a soberania tecnológica passa por equilibrar desenvolvimento interno com colaboração internacional.