Google tira manifesto contra PL das Fake News após multa de R$ 1 milhão por hora
A votação do projeto de lei para regular as plataformas digitais, PL 2630/20, mais conhecido como PL das Fake News, criou um ambiente de guerra entre defensores e opositores do texto. E na esteira da ofensiva das plataformas contra a proposta, o governo federal, por meio do Ministério da Justiça, baixou uma cautelar exigindo explicações da Google pela manipulação de conteúdos nos últimos dias, além de aplicar uma multa de R$ 1 milhão por hora por conta de um manifesto colocado na página principal do buscador. Antes mesmo de encerrar a coletiva do ministro Flávio Dino sobre o tema, o Google já tinha retirado a declaração que “o PL das Fake News pode piorar a sua internet”.
“O diálogo democrático foi rompido por quem resolveu, de modo ilegal, impor sua opinião no debate sobre o Congresso. Houve uma atitude arrogante de algumas dessas plataformas e isso determinou essa medida cautelar. O que mudou não foi a disposição do governo, foi o comportamento das empresas, que poderiam se dirigir ao Congresso Nacional livremente para apresentar suas posições, mas resolveram manipular seu próprio funcionamento para impor uma visão derivada do fato de as pesquisas de opinião mostrarem que a imensa maioria da população defende a regulação. E resolveram em vez de perceberam em argumentos, manipular e fraudar. Precisamos acabar com o faroeste digital”, disparou Dino na entrevista onde foi anunciada a medida.
O MJ usou, mais uma vez, o Código de Defesa do Consumidor para sustentar uma medida administrativa em relação a conteúdos na internet. A cautelar da Secretaria Nacional do Consumidor considera que o Google fez propaganda escondida e abusiva ao promover a opinião contra o PL 2630/20 – e com base nisso aplicou a multa de R$ 1 milhão por hora, exigiu a identificação do conteúdo como publicidade e ainda a publicação de opinião favorável ao projeto como medida de equilíbrio.
A cautelar também quer explicações do Google sobre denúncias de que o buscador estaria dando destaque a conteúdos contra o projeto e dificultando a publicação de conteúdos a favor. Por esse mesmo motivo, na segunda, 1/5, o Ministério Público Federal em São Paulo expediu um ofício à empresa exigindo informações sobre o tema.
“Trata-se, aqui, não da participação pública e transparente em uma discussão regulatória em curso (por meio, por exemplo, de reuniões e conversas com parlamentares, de publicação de artigos em jornais e revistas, e de publicidade declarada como tal, perante a população), mas sim do uso, por plataformas potencialmente afetadas, dos meios que elas controlam, com exclusividade, para impulsionar, de forma opaca e escapando de qualquer accountability, a percepção que lhes interessa sobre um tema de inegável importância pública”, diz o MPF/SP.
Esse ponto foi reforçado pelo ministro da Justiça nesta terça. “A Secretaria Nacional do Consumidor se viu com dezenas de indícios de que algumas empresas estariam privilegiando sua própria opinião e manipulando seus próprios termos de uso para privilegiar aquilo que lhes convém em detrimento de outras vozes. Isso é censura. Há denuncias de manipulação e direcionamento para favorecer conteúdo convergente com a posição da empresa e prejudicar os conteúdos divergentes. Daí a obrigação de não fazer, deixar de assim proceder caso assim esteja fazendo”, afirmou Dino.
Assim que a empresa retirou o manifesto contra o projeto, o minitro da Justiça tuitou: “Google removeu a publicidade cifrada e ilegal contida na sua página inicial. Esperamos que as plataformas desativem mecanismos de censura ou de violação à liberdade de expressão com isonomia. E seguimos abertos ao diálogo. A Lei deve prevalecer sobre o faroeste digital.”
A seguir, a íntegra da medida cautelar da Senacon:
“DESPACHO No 652/2023/GAB-SENACON/SENACON
Des no: DPDC
Assunto: Defesa do Consumidor: Cautelar Antecedente Interessado(a): GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA (06.990.590/0001-23)
1. Acolho os termos da NOTA TÉCNICA No 6/2023/CGCTSA/DPDC/SENACON/MJ (24094935).
2. Como se sabe, os agentes privados têm o direito de se manifestar sobre leis e
regulamentações que afetem os seus interesses. No entanto, independentemente do mérito da proposição legislativa em foco, tal direito dos agentes privados enfrenta limitações, especialmente quando geram como efeito secundário a acentuação da vulnerabilidade informacional do consumidor, que não está ciente do método empregado pela fornecedora de produtos e serviços, tampouco dos efeitos da atividade no fortalecimento da posição comercial desse agente econômico.
3. No caso de anúncio publicitário contra o PL 2630, veiculado na página de abertura do buscador Google, não há transparência, trata-se de informe publicitário do próprio Google manifestando sua posição quanto o PL, sem nenhuma sinalização.
4. No caso de publicidade paga, usualmente o resultado do Google informa que há patrocínio. Nesse caso, não há informação nenhuma sobre o caráter publicitário do material.
5. Quando portais e provedores de conteúdo e serviços de indexação passam a publicar opiniões editoriais em seus serviços, eles passam a ser geradores de conteúdo de comunicação social, atividade típica e própria de serviços de comunicação social, com responsabilidade editorial.
6. Os serviços de comunicação social no Brasil seguem regras próprias e devem ser constituídas na forma do art. 222 da Constituição da República. Considere-se, ainda, o impacto da página no Brasil, com o domínio absoluto de mercado, que segundo pesquisas, tem 3,5 bilhões de acessos ao mês e ferramenta de buscas nos smartphones usada em 98% das aplicações.
7. Não sendo editorial, trata-se de publicidade, com a incidência do art. 36 do CDC, que prevê que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
8. Quanto às denúncias sobre eventual manipulação da indexação de resultados, há uma expectativa legítima, de todos os consumidores dos serviços do buscador, que ele não estabeleça nenhum privilégio das mensagens, especialmente o ranqueamento das notícias, para destacar aquelas que atendam aos seus interesses.
9. Deve haver uma paridade de posição, sob pena de configurar-se censura. Caso o ranqueamento tenha sido para atender aos interesses da empresa, a decisão deveria ser declarada para o consumidor especificamente em relação ao serviço prestado com a ferramenta de busca.
10. Caso não seja feito isso, a conduta se aproxima do ilícito consumerista de publicidade cifrada ou dissimulada, em afronta ao direito de informação do consumidor, de modo a ir ao encontro da também abusiva prática de fornecer serviços de modo coerci vo e desleal. A publicidade cifrada ou dissimulada é aquela que tenta ocultar a natureza publicitária da conduta, e pode ser realizada mediante diferentes estratégias, como a de linguagem técnica ou enuncia va que pretende ser interpretada como imparcial, mas que tem a finalidade de promover determinado produto, serviço ou ideia.
11. Ademais, pela ausência de qualquer informação ou pela conduta de ranquear as notícias que podem trazer informações nega vas sobre o PL, o serviço também será investigado em razão da proibição de prestação de serviços considerados impróprios, nos termos do art. 20, §2o, do CDC, uma vez que o serviço é impróprio quando se mostra inadequado para os fins que razoavelmente dele se espera. A neutralidade, ou o ranqueamento segundo as consultas e frequência dos usuários, ou, qualquer outro critério que não seja o interesse da empresa, é o esperado pelos consumidores.
12. Agrava-se, ainda, ao considerar a vulnerabilidade, a boa-fé e a confiança nos serviços prestados uma vez que para o Consumidor é impossível aferir as interferências no ranqueamento. Se configurada, trata de excesso no mercado de consumo que afeta o equilíbrio da relação, impondo um ônus ou desvantagem excessiva ao consumidor, e configurando o abuso, nos termos do art. 39, V, do CDC e o previsto no art. 39, IV, do CDC, que trata da hipervulnerabilidade dos consumidores.