Pode o TCU encurtar mandato de dirigente da Anatel a pretexto de interpretar o Direito?
Ainda esta semana a imprensa de Brasília noticiava: O Tribunal de Contas da União – TCU: “Relator vota pela redução de mandato do presidente da Anatel; julgamento é adiado”. O Senado reage: “Pacheco condena possível interrupção de mandatos em agências reguladoras”, o que não estaria autorizado pela Lei 13.848/2019.
A Lei das Agências Reguladoras, de 2019, determina que os mandatos dos diretores de agências terão duração de cinco anos, sem direito à recondução. Não há, é verdade, na legislação, um detalhamento sobre como deve ser a contagem do tempo quando um diretor que já integra o colegiado é nomeado para presidi-la. Será que essa é uma competência regular do TCU?
Cumpre recordar que a Anatel é uma autarquia especial, vinculada ao Ministério da Comunicações. Trata-se de uma pessoa jurídica de direito público, de âmbito federal, autônoma e com o objetivo de praticar, de forma especializada, determinada função pública.
A Anatel possui independência decisória, que possibilita a Agência estabelecer objetivos e prerrogativas adequados ao exercício das operações realizadas pelas concessionárias no setor de comunicação. Ela atua como uma verdadeira autoridade administrativa independente, assegurando a ela nos termos da lei, as prerrogativas necessárias ao exercício adequado de sua competência.
Ela também possui independência financeira e estrutural. Não responde hierarquicamente a nenhuma autoridade. Ela possui como órgão máximo o seu Conselho Diretor. Conta, também com um Conselho Consultivo, uma Procuradoria, uma Corregedoria, uma Biblioteca e uma Ouvidoria, além das unidades especializadas incumbidas de diferentes funções.
Seu Conselho Diretor é composto por cinco conselheiros, com mandato de cinco anos, vedada a recondução. Seu Presidente é nomeado pelo Presidente da República, entre seus integrantes e investido na função por três anos ou pelo que restar de seu mandato de conselheiro, quando inferior a esse prazo, vedada, também a sua recondução.
Uma das maiores conquistas das Agências Reguladoras foi exatamente a sua independência funcional e autonomia administrativa que só podem existir em larga medida a partir do fato de seus dirigentes poderem gozar de mandato por um prazo determinado, não podendo ser afastados por atos demissórios voluntários de quem os nomeou. A Lei 9.986/2000 ao cuidar do tema do regime jurídico de seus dirigentes, modificou alguns itens em relação a ANEEL, ANATEL e ANP.
Seus dirigentes, em número de cinco, sendo um diretor-geral e quatro diretores, em regime de colegiado, são nomeados pelo presidente para o cumprimento de mandatos não coincidentes de quatro anos, após aprovação pelo Senado Federal (artigo 52, III, “f” da CF). Não resta a menor dúvida que a Constituição de 1988 esteve atenta para o tema da fiscalização das contas e gastos públicos (artigos 70 e 71), mas também é certo que escapa às atribuições dos Tribunais de Contas o exame das atividades autárquicas que não impliquem dispêndio de recursos públicos.
Interpretar o período de mandato de um dirigente máximo da agência seria de regra, avançar sobre o princípio da separação de poderes pois sua atividade fiscalizatória não alcança a atividade fim da agência reguladora, ou mesmo suas próprias decisões políticas atribuídas pela lei, como o período de mandato de seus dirigentes, conferido pelo Senado.
Nesse sentido, recorde-se que o poder de intervenção dos Tribunais de Contas, inclusive da União nas atividades da Administração Pública encontra limites. Ele não é instância revisora integral da atividade administrativa ou órgão do Poder Judiciário. A Anatel no limite deverá ingressar com ações judiciais em Brasília para a defesa de seus dirigentes e de seus mandatos.
Marcelo Figueiredo é Advogado, Consultor Jurídico, Professor Associado de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC-SP.