Segurança

Reconhecimento facial de crianças em estádios fere LGPD e ECA

O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, publicou no relatório “Esporte, Dados e Direitos: O Uso de Reconhecimento Facial nos Estádios Brasileiros” uma análise sobre a implementação e as implicações da tecnologia de reconhecimento facial em estádios de futebol no Brasil, com foco especial nos impactos sobre crianças e adolescentes.

A pesquisa destaca que, impulsionado pela Lei Geral do Esporte de 2023 e pelo Programa Estádio Seguro, o uso de reconhecimento facial vem crescendo de maneira acelerada em estádios com capacidade superior a 20 mil pessoas. Entre os argumentos para a adoção da tecnologia estão o aumento da segurança, a identificação de indivíduos procurados pela justiça e a agilidade no controle de acesso. No entanto, o relatório aponta sérios riscos relacionados à privacidade, à discriminação racial, ao uso inadequado de dados e à falta de transparência na gestão dessas informações.

“No caso do Maracanã, e a insegurança de ter uma rede fragmentada com acesso a dados sensíveis de milhares de pessoas, podendo utilizá-los para direcionamento de propaganda ou até mesmo para práticas criminosas como a clonagem dos cartões de crédito”, diz o documento.

Um dos pontos mais preocupantes é a exposição de crianças e adolescentes ao processo de datificação, especialmente considerando que tanto a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) exigem cuidados especiais no tratamento dos dados desses grupos. O relatório sublinha que a obrigatoriedade do cadastramento facial, inclusive para menores, em troca da compra de ingressos, representa uma vulnerabilização significativa, expondo-os a riscos de erros, vieses discriminatórios e até possíveis violações de seus direitos fundamentais.

“Quando um estádio vincula a compra do ingresso para os eventos ao registro facial está submetendo essas pessoas ao processo de datificação. Essa imposição acontece, inclusive, com crianças e adolescentes, embora tanto a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determinem requisitos específicos para o tratamento de dados de crianças e adolescentes para assegurar a proteção de seus direitos e sua dignidade”, diz o estudo do Cesec.


Atualmente, há 22 projetos em estádios, 18 deles em uso, dois em teste e dois em estudo, em ritmo acelerado de crescimento. Apenas nos seis primeiros meses deste ano, foram iniciados 10 projetos, praticamente o mesmo de todo o ano de 2023 (11). A maioria está concentrada nas regiões sudeste e nordeste, mas a biometria facial está presente em arenas de 14 estados.

A pesquisa também revela que há uma falta de clareza e regulamentação sobre como os dados biométricos, incluindo os de crianças e adolescentes, são tratados, armazenados e compartilhados, especialmente entre diferentes empresas e órgãos públicos. Essa situação cria um ambiente propício para abusos, erros de identificação e possível comercialização de dados sem o devido consentimento.

Além disso, o relatório documenta casos concretos onde erros no uso da TRF resultaram em constrangimento e até em detenções injustas, destacando as falhas da tecnologia, particularmente quando aplicada a grupos vulneráveis. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) emitiu alertas sobre os riscos de vigilância desproporcional e a necessidade de limitar o compartilhamento de dados de menores.

Em resumo, o documento é um alerta sobre os perigos do uso descontrolado de tecnologias de vigilância em espaços públicos, especialmente quando afetam diretamente crianças e adolescentes, e clama por uma revisão crítica das práticas atuais, buscando um equilíbrio entre segurança e respeito aos direitos fundamentais.

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