Jurista defende que Anatel libere livre negociação entre teles e big techs
“Quem lucra e ganha com a infraestrutura deveria colaborar mais”, afirma o professor da Faculdade de Direito da Universidade Goethe, na Alemanha, Ricardo Campos.
Professor de Direito na Universidade Goethe, na Alemanha, o jurista brasileiro Ricardo Campos ampliou em um novo livro a ideia de que as grandes empresa da internet devem ajudar a financiar os investimentos nas redes de telecomunicações.
Em “A Nova Relação entre Infraestrutura e Serviços Digitais: fair share, neutralidade de rede e sustentabilidade digital”, Campos suporta a ideia de que o mercado mudou profundamente em 20 anos e a nova realidade impõe custos elevados para a construção e ampliação de maior capacidade para dar conta da demanda digital que continua crescente.
“As pessoas esquecem que para isso acontecer existe uma infraestrutura de antenas, de cabos, que precisa ser levada em consideração para que tenhamos de fato a comunicação. A regulação há 20 anos foi pensada para incentivar a comunicação pela internet. O cenário mudou. Poucas empresa sobrecarregam o sistema de infraestrutura física sem contribuir para a expansão dessa infraestrutura”, explicou Campos em entrevista à Convergência Digital.
“Quem lucra e ganha com essa infraestrutura, mas hoje não paga por ela, deveria colaborar mais”, ressaltou o jurista. “Minha proposta é que todo esse problema seja resolvido pela Anatel, seguindo o modelo australiano, a nova lei que estruturou a relação entre jornalistas e plataformas digitais”, disse em relação à legislação australiana sobre remuneração de conteúdo jornalístico por redes sociais.
“A gente poderia, no melhor cenário, colocar a Anatel no centro, para ela fomentar que os atores sentem à mesa e cheguem a um acordo. Ou seja, que plataformas digitais, streaming, quem sobrecarrega o sistema, sentem com empresas de telecom, sob critérios balizados pela Anatel. Se esse acordo não for encontrado, a Anatel poderia arbitrar um valor a ser pago pelas empresas de tecnologia à infraestrutura do Brasil.”
Para Campos, é preciso separar a neutralidade de rede dos usuários e das plataformas. “É necessário se distinguir a aplicabilidade do princípio da neutralidade de rede na relação entre telecoms e usuários finais e entre telecoms e provedoras de conteúdo. No primeiro caso, trata-se de estabelecer regras em prol da autonomia e da liberdade de escolha do usuário final, por meio, por exemplo, da proibição de bloqueios indevidos de conteúdo e aplicações, o que é obviamente muito positivo”, disse o especialista.
“No segundo caso, temos uma questão majoritariamente concorrencial. E neste ponto tivemos uma virada fundamental: nos primórdios da internet, regras que proibiam arranjos e modelos de negócios alternativos entre as empresas buscavam lidar com o poder dominante das provedoras de acesso à internet, protegendo principalmente a inovação. Hoje, em um contexto bastante diverso, tal poder de mercado encontra-se nas plataformas digitais, que controlam o tráfego online e, portanto, deixam de fazer sentido interpretações rígidas do princípio. Temos que entendê-lo como uma proteção ao usuário e não como uma limitação da liberdade das empresas em negociarem entre si e isso já podemos fazer a partir próprio Marco Civil e da competência da Anatel para regular a relação entre tais empresas.”