Teles e fabricantes não se entendem para bloqueio de celulares piratas
A Anatel quer acertar um cronograma para colocar em funcionamento um projeto antigo, mas de implementação delicada: o bloqueio dos aparelhos celulares irregulares, falsificados, ‘piratas’. A agência estrutura um plano nesse sentido desde 2014, mas em que pese o apoio dos fabricantes, não há o mesmo entusiasmo nas operadoras – e mesmo oposição expressa na sociedade civil.
Esse é um tema global. A OCDE, o clube das maiores economias do planeta, estima que um em cada cinco celulares são falsificados, e já há alguns anos estimula países a adotarem providências. Deu certo. A UIT lista Índia, Indonésia, Colômbia, Egito, Turquia, Quênia, Nigéria, Paquistão, além de outras duas dezenas de nações, com algum tipo de implementação para a desconexão desses aparelhos das redes de telecom.
Em geral, o procedimento é semelhante ao que a Anatel pretende adotar no Brasil – as operadoras móveis devem desconectar de suas redes aparelhos que não tenham o número IMEI, sigla em inglês para Identidade Internacional de Equipamento Móvel, uma espécie de registro global de celulares, administrada pela GSMA.
A indústria sustenta que já é proibido o uso de equipamentos não homologados nas redes de telecom e por isso defende que basta repetir por aqui a fórmula pela qual aparelhos sem IMEI são bloqueados de acessar essas redes. Mas a própria dimensão do ‘mercado cinza’ de celulares provoca dúvidas. As operadoras argumentam que 1 milhão de celulares “irregulares” são incluídos nas redes a cada mês. É um bocado de chips, um bocado de tráfego.
Nesse cenário, a Superintendência de Planejamento e Regulamentação da Anatel tentou fazer caminhar a implementação do Siga, ou Sistema Integrado de Gestão de Aparelhos, projeto elaborado em conjunto com os segmentos afetados. E conseguiu até aprovar um cronograma junto ao Conselho Diretor da agência. Mas o colegiado recuou e decidiu melhor analisar o tema, como reconhece em nota divulgada nesta sexta, 26/5:
“O conselho diretor da Anatel deverá analisar novamente a proposta do sistema de bloqueio de telefones irregulares no país e seu cronograma de implantação. Esta semana, durante reunião administrativa da Anatel, que avalizou decisão da agência do início deste ano, o conselho considerou que alguns pontos precisam ainda de alguma análise, entre eles o prazo de implantação.”
Na busca por um acordo, já está proposto que sejam bloqueados apenas aparelhos sem IMEI. Nos casos de clonagem, ou seja, quando a operadora identificar IMEI repetido, não se prevê desconexão por enquanto. Além disso, foi acertado que não serão bloqueados aparelhos já em uso. Quando (eventualmente) entrar em operação, o Siga vai buscar somente os celulares sem IMEI adicionados a partir de determinada data.
Essa data, porém, ainda é desconhecida. A SPR propôs que em 30/6 comecem a ser enviados SMS para aparelhos em situação irregular. E que o bloqueio ocorra 75 dias, e quatro ou cinco SMS, depois. Como o caso será novamente avaliado pelo Conselho Diretor da agência, o 30/6 parece difícil de vingar. E os 75 dias, ou outro prazo, dependem do acerto entre as partes.
Vale lembrar que as operadoras móveis não são as únicas a temer desdobramentos da medida. Entidades como o Instituto de Tecnologia e Sociedade apontam que o bloqueio pode acentuar a exclusão digital. “Se o celular tem permitido um aumento da conectividade da população brasileira, o aparelho não homologado, conhecido popularmente pelo termo pejorativo ‘xing ling’, tem um papel importante nesse crescimento justamente por ter um preço bem mais acessível”, já sustentou o ITS.