Inovação

Silvio Meira: Transformação digital é muito mais que digitalizar o legado

"Renovar a cada cinco anos é a digitalização da carteira de motorista. A transformação digital é a gestão do ciclo de vida de informação da pessoa como motorista", diz o professor e cientista-chefe da TDS Company, Silvio Meira.

SECOP 2023

Transformação digital se tornou expressão comum e até mesmo política, tanto no universo público como privado. Mas o verdadeiro significado parece escapar, principalmente na oferta governamental de serviços digitais. Afinal, como destaca o professor, cientista chefe da TDS Company e fundador do Porto Digital, Silvio Meira, tratam-se de coisas distintas. 

“Uma parte significativa do que a gente chama de digitalização é pegar os processos como estão e por uma capa de informática, de computação, de comunicação, para esse processo deixar de ser realizado por seres humanos, mas sem redesenhar os processos”, alertou Meira ao participar do 50º Seminário Nacional de TIC para Gestão Pública, Secop, da ABEP TIC. 

Para o cientista, o Brasil ainda aposta mais na digitalização do que efetivamente na transformação digital. Como resultado, reproduz no ambiente digital a lógica do legado, ao contrário de usar esse movimento para repensar o próprio serviço público em si. 

“Repensar a economia, a sociedade, deveria trazer algo do futuro para o presente, e não tentar levar para o futuro, via digital, alguma coisa que vem do passado. Pegue a carteira de motorista e pense em um cidadão que tirou carteira com 18 anos e não tem nenhuma multa, nenhum acidente que comprometa a capacidade de dirigir o veículo. Se você conseguisse registrar os acidentes de forma a serem percebidos no ciclo de vida dos dados dos motoristas, poderia dizer que só renovaria a carteira de motorista com 70 anos, no lugar de a cada cinco ou dez anos. Renovar a cada cinco anos é a digitalização da carteira de motorista. A transformação digital da carteira de motorista é a gestão apropriada de todo o ciclo de vida de informação da pessoa como motorista”, afirmou. 

“O que temos no Brasil é trazer o CRM, por o dado da pessoa dentro e quando a carteira estiver para espirar manda um email dizer que ela tem que renovar. Isso não é transformação de nada. É a digitalização de um processo legado que na melhor das hipóteses não é inteligente”, insistiu Silvio Meira. 


Como lembrou, o sucesso de empresas globais atualmente está diretamente ligado a uma nova perspectiva. “O que a gente precisa fazer de fato é inverter o processo. Ao invés de o Estado propor soluções para a sociedade, a gente deveria ir à sociedade perguntar e descobrir os problemas que precisam ser resolvidos. As grandes empresas globais verdadeiramente digitais inverteram o modelo de oferta de serviços e produtos. Ao invés de apontar e entregar pronta, foi lá fora descobrir o que o mundo quer.”

Não é simples, porque o próprio arcabouço legal cria entraves à inovação no Estado. “O serviço público em todos os níveis tem uma dificuldade monumental, pelas leis brasileiras, de contratar serviços e desenvolvimentos inteligentes. Então passa anos fazendo especificação de alguma coisa digital, publica em licitação. Mas quando a contratação é feita, a especificação que foi iniciada há anos não vale mais. E todo mundo sabe disso, do TCU a quem contratou. E isso precisa ser transformado. Parte da transformação digital das funções de Estado no Brasil é transformar como se contrata a transformação.”

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